quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Carta de Miguelito a Mafalda



Querida Mafalda:
Neste dia tão especial lembrei-me de teu aniversário. Como passa o tempo! Nascemos no coração de um país que sonhava. Quantas utopias! Quantos desejos de crescer, de melhorar as coisas! Coube-nos conviver com um tempo de homens criativos: Luther King, Che Guevara, João XXIII, John Kennedy; transmitiram-nos o sentido da justiça, o valor dos sentimentos, a maravilhosa aventura de pensar com a própria cabeça.
Ontem eu me perguntava por nossa amiga Libertad, aquela pequenina que um dia encontraste numa praia, não me lembro se era Santa Teresita ou Mar Del Tuyu; lembro ainda de quando a apresentaste a teus pais... Era muito viva e queimadinha pelo sol de fevereiro. Como está Libertad? É verdade que a mataram durante a ditadura? Dizem que a torturaram e seu corpo desapareceu no Rio de la Plata. Custa-me pensar que morreram seus sonhos. E se estiver viva? Estará filosofando sobre a fragilidade das coisas e o sentido de a vida?
E a Susanita? Casou-se? Terá conseguido realizar sua vocação de ser mãe?
Imagino-a vivendo em alguma cidade do interior, passeando de braços dados com o marido (um homem baixo e calvo) em uma tarde de verão, contente com seus filhos e cuidando do primeiro neto, realizada como tantas mulheres comuns ...
Soubeste da morte de Manolito? Pois é, perdeu suas economias durante o "corralito", foi à falência e não suportou: teve enfarte fulminante. Os últimos dias o viram cabisbaixo, murmurando palavras incoerentes, abandonado como um mendigo numa estação de metrô, triste e abatido, como muitos outros.
Fui informado de que Felipe vive em La Habana, que tentou fazer cinema, que tem um táxi e que fala aos turistas de Fidel e da revolução com o mesmo entusiasmo de quando vivia em Buenos Aires...
Falei com Guille, teu irmão, durante uma apresentação dele, há pouco tempo, no Scala de Milão. Contou-me que vive em Genebra, nunca se arrepende de haver emigrado nos últimos anos de Alfonsin, e que é feliz com sua nova esposa.
E tu, querida amiga, como estás?
Fazia tanto tempo que não tinha notícias tuas... Sei, através de amigos, que segues ouvindo rádio, que lês jornais de todo o mundo, que o Iraque te angustia como te angustiava o Vietnam, sei que trabalhas para a FAO pelos povos famintos, que estas indignada pela prepotência de Bush, etc. Recebi teu pedido para juntar medicamentos para os Médicos sem Fronteiras, sei que prosseguem as reuniões em tua casa em Paris, que estás confusa, inquieta e preocupada pelo futuro do mundo... Enfim, Mafalda, sei o suficiente para alegrar-me porque estás viva, viva na alma, e criança como sempre.
De minha parte prossigo escrevendo, reclamando falta de tempo; acreditando, como sempre, no valor da sinceridade, perdendo oportunidades por manifestar minhas idéias. Alguns dias fico triste e deprimido, mas é sempre mais forte a alegria que a tristeza... O mundo não melhorou muito desde a época em que vivíamos juntos em nossa pátria.
Às vezes, quando miro o globo terrestre, encontro o teu olhar, e penso em todos aqueles que o miram como tu, nos olhos dos que protestam, dos que não se conformam, e dos que vivem na atmosfera do otimismo e da justiça..
Esses olhos, junto aos meus, te desejam bons dias, querida amiga, por outros quarenta anos tão intensos e jovens como os que viveste.
Um grande beijo de teu amigo que te ama como sempre.
Miguelito.

Autoria desconhecida, tradução de José Dervil

Recebi do amigo Max, por e-mail, e não consegui ficar imune a emoção de ler tanta verdade acomopanhada de muita ternura.

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