quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A lua que não dei

Foto: Luis Florit


Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo de presente aos filhos. E, no entanto, abomino os que, a cada fim de semana, dão tudo o que filhos lhes pedem nos shoppings onde exercitam arremedos de paternidade. E não há paradoxo nisso. Dar o mundo é sentir-se um pouco como Deus, que é essa a condição de um pai. Dar futilidades como barganha de amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.


Volto a narrar, por me parecer apropriado à croniqueta, o que me aconteceu ao ser pai pela primeira vez. Lá se vão, pois, 45 anos. Deslumbrado de paixão, eu olhava a menina no berço, via-a sugando os seios da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne. E, então, eu me prometia, prometendo-lhe: "Dar-lhe-ei o mundo, meu amor." E não lho dei. E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e da estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais.


Não dei o mundo à minha filha, mas ela quis a Lua. E não me esqueço de como ela pediu, a Lua, há anos já tão distantes. Eu a carregava nos braços, pequenina e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso quarteirão, em tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às portas das casas. Com ela junto ao peito, sentia-me o mais feliz homem do mundo, andando, cantarolando cantigas de ninar em plena calçada. Pois é a plenitude da felicidade um homem jovem poder carregar um filho como se acariciando as próprias entranhas. Minha filha era eu e eu era ela. Um pai é, sim, um pequeno Deus, o criador. E seu filho, a criatura bem amada.


E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos. Pois a filhinha - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o alto e começou a quase gritar, assanhada, deslumbrada: "Dá, dá, dá..." Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma luminosa bola de brincar. Diante da magia do céu enfeitado de estrelas e de luar, minha filha me pediu a Lua e eu não lha pude dar.


A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e filhos: se eles quisessem o impossível, fossem em busca dele. Eu lhes dera a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos grandes sonhos. E o sonho da primogênita começou a acontecer, num simbolismo que, ainda hoje, me amolece o coração. Pois, ainda adolescente, lá se foi ela embora, querendo estudar no Exterior. Vi-a embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de Kalil Gibran em sussurros de consolo:


"Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de nós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. (...) Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas."


Foi o que vivi, quando o avião decolou, minha criança a bordo. No céu, havia uma Lua enorme, imensa. A certeza da separação foi dilacerante. Minha filha fôra buscar a Lua que eu não lhe dera.


E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos: "O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar."


Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de ter para onde voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes machucarem a alma. Ao ver o avião, como num filme de Spielberg, sombrear a Lua, levando-me a filha querida, o salgado das lágrimas se transformou em doçura de conforto com Kalil Gibran: como pai, não dando o mundo nem Lua aos filhos, me senti arqueiro e arco, arremessando a flecha viva em direção ao mistério.


Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois família é uma tribo em construção permanente. Pais envelhecem, filhos crescem, dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a obra da criação se renova sem nunca completar-se. De guerreiros que foram, pais se tornam pajés. E mães, curandeiras de alma e de corpo. É quando a tribo se fortalece com conselheiros, sábios que conhecem os mistérios da grande arquitetura familiar, com régua, esquadro, compasso e fio de prumo. E com palmatória moral para ensinar o óbvio: se o dever premia, o erro cobra.


Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho. A nossa construção está ruindo, pois feita em areia movediça. É minúsculo o mundo que pais querem dar aos filhos: o dos shoppings. E não há mais crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou como conquista. Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser comprado em lojas. Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas.


Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá gente de verdade?

Cecílio Elias Netto

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

II - Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Desencontro (2)

No avesso das palavras

na contrária face

da minha solidão

eu te amei

e acariciei

o teu imperceptível crescer

como carne da lua

nos nocturnos lábios entreabertos


E amei-te sem saberes

amei-te sem o saber

amando de te procurar

amando de te inventar


No contorno do fogo

desenhei o teu rosto

e para te reconhecer

mudei de corpo

troquei de noites

juntei crepúsculo e alvorada


Para me acostumar

à tua intermitente ausência

ensinei às timbilas

a espera do silêncio

Julho 1981

in Raiz de Orvalho e Outros Poemas


Regresso

Voltar

a percorrer o inverso dos caminhos

reencontrar a palavra sem endereço

e contra o peito insuficiente

oferecer a lágrima que não nos defende


Recolher as marcas da minha lonjura

os sinais passageiros da loucura

e adormecer pela derradeira vez

nos lençóis em que anoitecemos


Reencontrar secretamente

o fugaz encanto

o perfeito momento

em que a carne tocou a fonte

e o sangue

fora de mim

procurou o seu coração primeiro

Bilene, Janeiro 1981

in Raiz de Orvalho e Outros Poemas


Confidência

Diz o meu nome

pronuncia-o

como se as sílabas te queimassem

[os lábios

sopra-o com a suavidade

de uma confidência

para que o escuro apeteça

para que se desatem os teus cabelos

para que aconteça


Porque eu cresço para ti

sou eu dentro de ti

que bebe a última gota

e te conduzo a um lugar

sem tempo nem contorno


Porque apenas para os teus olhos

sou gesto e cor

e dentro de ti

me recolho ferido

exausto dos combates

em que a mim próprio me venci


Porque a minha mão infatigável

procura o interior e o avesso

da aparência

porque o tempo em que vivo

morre de ser ontem

e é urgente inventar

outra maneira de navegar

outro rumo outro pulsar

para dar esperança aos portos

que aguardam pensativos


No húmido centro da noite

diz o meu nome

como se eu te fosse estranho

como se fosse intruso

para que eu mesmo me desconheça

e me sobressalte

quando suavemente

pronunciares o meu nome

Agosto 1979

in Raiz de Orvalho e Outros Poemas


Despedida

Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos

quando anunciaste a despedida

e eu que habitara lugares secretos

e me embriagara com os teus gestos

recolhi as palavras vagabundas

como a tempestade que engole os barcos

porque ama os pescadores


Impossível separarmo-nos

agora que gravaste o teu sabor

sobre o súbito

e infinito parto do tempo


Por isso te toco

no grão e na erva

e na poeira da luz clara

a minha mão

reconhece a tua face de sal


E quando o mundo suspira

exausto

e desfila entre mercados e ruas

eu escuto sempre a voz que é tua

e que dos lábios

se desprende e se recolhe


Ali onde se embriagam

os corpos dos amantes

o te ventre aceitou a gota inicial

e um novo habitante

enroscou-se no segredo da tua carne



Nesse lugar

encostámos os nossos lábios

à funda circulação do sangue

porque me amavas

eu acreditava ser todos os homens

comandar o sentido das coisas

afogar poentes

despertar séculos à frente

e desenterrar o céu

para com ele cobrir

os teus seios de neve

Maio, 1977

in Raiz de Orvalho e Outros Poemas


Saudade

Magoa-me a saudade

do sobressalto dos corpos

ferindo-se de ternura

sói-me a distante lembrança

do teu vestido

caindo aos nossos pés


Magoa-me a saudade

do tempo em que te habitava

como o sal ocupa o mar

como a luz recolhendo-se

nas pupilas desatentas


Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,

tua noite sem remédio

tua virtude, tua carência

eu

que longe de ti sou fraco

eu

que já fui água, seiva vegetal

sou agora gota trémula, raiz exposta


Traz

de novo, meu amor,

a transparência da água

dá ocupação à minha ternura vadia

mergulha os teus dedos

no feitiço do meu peito

e espanta na gruta funda de mim

os animais que atormentam o meu sono

Outubro, 1979

in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Foto: minha

Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato

morro
no mundo por que luto

nasço

Setembro, 1977
Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas


Trajecto

Na vertigem do oceano
vagueio
sou ave que com o seu voo
se embriaga
Atravesso o reverso do céu
e num instante
eleva-se o meu coração sem peso
Como a desamparada pluma
subo ao reino da inconstância
para alojar a palavra inquieta
Na distância que percorro
eu mudo de ser
permuto de existência
surpreendo os homens
na sua secreta obscuridade
transito por quartos
de cortinados desbotados
e nas calcinadas mãos
que esculpiram o mundo
estremeço como quem desabotoa
a primeira nudez de uma mulher

Setembro, 1980

Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas


Manhã

Estou

E num breve instante

Sinto tudo

Sinto-me tudo

Deito-me no meu corpo

E despeço-me de mim

Para me encontrar

No próximo olhar .

Ausento-me da morte

não quero nada

eu sou tudo

respiro-me até à exaustão .

Nada me alimenta

porque sou feito de todas as coisas

e adormeço onde tombam a luz

[e a poeira

A vida (ensinaram-me assim)

deve ser bebida

quando os lábios estiverem

[já mortos

Educadamente mortos

Novembro, 1979


Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Palavra que desnudo

Entre a asa e o voo

nos trocámos

como a doçura e o fruto

nos unimos

num mesmo corpo de cinza

nos consumimos

e por isso

quando te recordo

percorro a imperceptível

fronteira do meu corpo

e sangro

nos teus flancos doloridos

Tu és o encoberto lado

da palavra que desnudo

Abril, 1981

Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas


Primeira Palavra

Aproxima o teu coração

e inclina o teu sangue

para que eu recolha

os teus inacessíveis frutos

para que prove da tua água

e repouse na tua fronte

Debruça o teu rosto

sobre a terra sem vestígio

prepara o teu ventre

para a anunciada visita

até que nos lábios humedeça

a primeira palavra do teu corpo

Agosto 1980

Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas


Desencontro (1)

Não ter morada

Habitar

Como um beijo

Entre os lábios

Fingir-se ausente

E suspirar

(o meu corpo

não se reconhece na espera)

percorrer com um só gesto

o teu corpo

e beber

toda a ternura

para refazer

o rosto

em que desapareces

o abraço

em que desobedeces

Outubro 1979

Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Chique...

Imagem: Abellán, A Ceia

Nunca o termo “chique” foi tão usado para qualificar pessoas como atualmente. A verdade é que ninguém é chique por decreto. E algumas boas coisas da vida, infelizmente, não estão à venda. Elegância é uma delas. Assim, para ser chique é preciso muito mais que um guarda-roupa recheado de grifes importadas. Muito mais que um belo carro alemão. O que faz uma pessoa chique, não é o que essa pessoa tem, mas a forma como ela se comporta.

Chique mesmo é quem fala baixo. Quem não procura chamar atenção com suas risadas muito altas, nem por seus imensos decotes. Mas que, sem querer, atrai todos os olhares, porque tem brilho próprio.

Chique mesmo é quem é discreto, não faz perguntas inoportunas, nem procura saber o que não é da sua conta.

Chique mesmo é parar na faixa de pedestre e abominar a mania de jogar lixo na rua.

Chique mesmo é dar bom dia ao porteiro do seu prédio e às pessoas que estão no elevador. É lembrar do aniversário dos amigos.

Chique mesmo é não se exceder nunca. Nem na bebida, nem na comida, nem na maneira de se vestir. Chique mesmo é olhar no olho do seu interlocutor. É “desligar o radar” quando estiverem sentados à mesa do restaurante, e prestar atenção à sua companhia.

Chique mesmo é honrar a sua palavra. É ser grato a quem o ajuda, correto com quem você se relaciona e honesto nos seus negócios.

Chique mesmo é não fazer a menor questão de aparecer, mas ficar feliz ao ser prestigiado. Mas para ser chique, chique mesmo, você tem, antes de tudo, de se lembrar sempre do quanto a vida é breve e de que iremos todos para o mesmo lugar. Portanto, não gaste sua energia com o que não tem valor, não desperdice as pessoas interessantes com quem cruzar no caminho e não aceite, em hipótese alguma, fazer qualquer coisa que não lhe faça bem. Porque, no final das contas, chique mesmo é ser feliz!

Gilka Maria, In A quem interessar possa

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Dançando conforme a música


Abellán O Baile


Quando me disseram que eu tinha que dançar conforme à música, tomei providências radicais: entrei numa escola de dança, e aprendi a ler partituras. Transformei em violino as palmas da minha mão. Abracei a clave do Sol, com ternura e delicadeza. Envolvi-me com musas, semifusas e colcheias, e caí nos braços de Beethoven. Achei a chave do céu. Comecei tocando os instrumentos de corda. Depois, os de sopro e percussão, os principais. E então me aprimorei, com determinação. Acabei tornando-me um criativo compositor, um empresário maluco, um maestro zen. E agora sou o líder da própria banda. Por isso é que sempre danço conforme à música. A música que eu escolho.


Edson Marques, daqui.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Para os amigos educadores...

O Sermão da montanha

Versão para educadores

Naquele tempo, Jesus subiu a um monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem. Ele os preparava para serem os educadores capazes de transmitir a lição da Boa Nova a todos os homens. Tomando a palavra, disse-lhes:

- “Em verdade, em verdade vos digo: Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque eles...”

Pedro o interrompeu:

- Mestre, vamos ter que saber isso de cor?

André disse:

- É pra copiar no caderno?

Filipe lamentou-se:

- Esqueci meu papiro!

Bartolomeu quis saber:

- Vai cair na prova?

João levantou a mão:

- Posso ir ao banheiro?

Judas Iscariotes resmungou:

- O que é que a gente vai ganhar com isso?

Judas Tadeu defendeu-se:

- Foi o outro Judas que perguntou!

Tomé questionou:

- Tem uma fórmula pra provar que isso tá certo?

Tiago Maior indagou:

- Vai valer nota?

Tiago Menor reclamou:

- Não ouvi nada, com esse grandão na minha frente.

Simão Zelote gritou, nervoso:

- Mas porque é que não dá logo a resposta e pronto!?

Mateus queixou-se:

- Eu não entendi nada, ninguém entendeu nada!

Um dos fariseus, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada a ninguém, tomou a palavra e dirigiu-se a Jesus, dizendo:

- Isso que o senhor está fazendo é uma aula? Onde está o seu plano de curso e a avaliação diagnóstica? Quais são os objetivos gerais e específicos? Quais são as suas estratégias para recuperação dos conhecimentos prévios?

Caifás emendou:

- Fez uma programação que inclua os temas transversais e atividades integradoras com outras disciplinas? E os espaços para incluir os parâmetros curriculares gerais? Elaborou os conteúdos conceituais, processuais e atitudinais?

Pilatos, sentado lá no fundão, disse a Jesus:

- Quero ver as avaliações da primeira, segunda e terceira etapas e reservo-me o direito de, ao final, aumentar as notas dos seus discípulos para que se cumpram as promessas do Imperador de um ensino de qualidade. Nem pensar em números e estatísticas que coloquem em dúvida a eficácia do nosso projeto.

- E vê lá se não vai reprovar alguém! Lembre-se que você ainda não é professor titular...

Jesus deu um suspiro profundo, pensou em ir à sinagoga e pedir aposentadoria proporcional aos trinta e três anos. Mas, tendo em vista o fator previdenciário e a regra dos 95, desistiu. Pensou em pegar um empréstimo consignado com Zaqueu, voltar pra Nazaré e montar uma padaria... Mas olhou de novo a multidão. Eram como ovelhas sem pastor... Seu coração de educador se enterneceu e Ele continuou:

-“Felizes vocês, se forem desrespeitados e perseguidos, se disserem mentiras contra vocês por causa da Educação. Fiquem alegres e contentes, porque será grande a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram outros educadores que vieram antes de vocês”.

Tomé, sempre resmungão, reclamou:

- Mas só no céu, Senhor?

- Tem razão, Tomé - disse Jesus - há quem queira transformar minhas palavras em conformismo e alienação.. Eu lhes digo, NÃO! Não se acomodem. Não fiquem esperando, de braços cruzados, uma recompensa do além. É preciso construir o paraíso aqui e agora, para merecer o que vem depois...

E Jesus concluiu:

- Vocês, meus queridos educadores, são o sal da terra e a luz do mundo...

Prof. Eduardo Machado

domingo, 7 de fevereiro de 2010

João e Maria

Resgatei esse texto usado, nos anos 80, com meus alunos do Curso de Formação de Professores.

Continua atual.


João e Maria


Maria e João fugiram daquela gaiola horrível

em que uma velha malvada os estava preparando

para cozinhar no feijão...Fugiu Maria, fugiu João...

E a psicologia explica: ficaram com um medo incrível

de toda e qualquer prisão !


Crescendo fizeram, um dia, uma escola de alegria,

Uma escola diferente, sem limites, sem programa...

Mas uma escola tão boa que logo ela ganhou fama.


Subiam no alto dos morros prá contemplar lá de cima

o sol se pôr no horizonte...

e para atender o rio...iam buscar sua fonte.


Observavam as larvas, os bichinhos no quintal...

Comentavam sobre a vida, sobre o bem e sobre o mal.


Era uma escola diferente, sem limite, sem programa...

Mas uma escola tão boa que logo ela ganhou fama.


As crianças se espantavam quando falavam!

Adultos ao redor delas - as escutavam!


Mas um dia...triste dia...os homens da Educação

foram ver a escolinha de Maria e de João.


Não gostaram! Detestaram! Que loucura...Que tolice!

Sem programa ? Quem lhes disse

Que escola se faz assim ?

Como haverá, repetência, sem as séries, sem um fim?

Como haverá reprovados sem os alunos da escola devidamente testados ?


E logo naquele dia em que na escola era o tema

Sentir o perfume das flores que estava no ar.


O poderoso sistema fez a escolinha fechar

- POR ONDE ANDA MARIA / ONDE ENCONTRAR JOÃO ?


Em qualquer sala de aula onde um mestre inteligente

sorrindo com seus alunos, soltar a imaginação...

Há sempre algum sinalzinho de Maria e de João.

No ar, no mar, no arco-íris, no fundo do coração

para quem ama criança...nunca morre a esperança

de ser Maria ou ser João.

Dra. Fernanda Barcellos