segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Rafeiro Perfumado


Cheguei há uns dias de Portugal e trouxe na bagagem além de uns quilinhos extras alguns livros de autores portugueses.



Em especial destaco o livro do Rafeiro Perfumado: Are you ladrating to me?!?

Jorge Pereira reuniu os melhores textos publicados no blog Rafeiro Perfumado e o resultado é hilário. Tenho dado boas gargalhadas.


sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Vocação para o silêncio

"Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silencio: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural, sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é musica em estado de gravidez."

Mia Couto, In Antes de nascer o Mundo

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Dia do psicólogo

(...) Para dar conta dessa profissão só mesmo sendo inquieta e muito sensível. É justamente essa inquietude que nos move. A sensibilidade nos faz diminuir o passo e escutar com atenção...

(...) Um dos privilégios é ter a licença, a possibilidade de se estar em um nível muito alto de intimidade com uma outra pessoa. Permanecer junto dela até que encontre seu trilho. E ver que existe um caminho, singular para cada um. E torcer por ela, irradiando energia, nos colocando nos bastidores, enquanto a pessoa está fazendo o seu trabalho. E, se tivermos a paciência necessária de esperar, podemos ver e constatar, muitas e muitas vezes, que a mágica funciona!

(...) Quanto à maioria daqueles que cruzam nossa vida, podemos mesmo caminhar junto com eles até que encontrem seu trilho, quando então ganham velocidade. Nesse momento, ficamos no umbral de sua vivência, podemos chegar perto, mas quem transpõe aquele portão é ele. Sozinho.... por mais que queiramos ir junto...

(...) Temos sempre a dupla tarefa de, estando alertas para o que se passa em nós, ao mesmo tempo nos estendermos até aquele que está conosco. Sem que nos percamos. Mas sempre a serviço do Outro.

(...) E, depois de tudo, desse longo trabalho de alfabetização, o passo a passo, toda a longa caminhada, quando atingimos o ponto de diálogo, da mutualidade, é hora de encerrar o processo!

Para novamente abrir espaço e receber uma outra pessoa, começando do começo, e assim vamos... Nessa ciranda eterna...

Coisa estranha essa profissão. Cheia de sabores. Cheia das possibilidades. Cheia de possíveis disfarces. Condenada à solidão pessoal pela proximidade com a alma alheia. Abençoada em alguns encontros... E o que nos mantém nesse percurso? Será a onipotência, a loucura, a teimosia?


A fé, acho....


Trechos de Ser terapeuta: falando de amores e dores, Jean Clark Juliano, In A arte de restaurar histórias.


Recebi esse vídeo da amiga Ju.

Meu abraço carinhoso aos psicólogos amigos.


sábado, 22 de agosto de 2009

Lamento calado....

Dia de uma criada de servir

e seu lamento calado


I

- Maria!

- Minha senhora?

- O banho está arranjado?

Quero a casa toda limpa!

E o almoço aprontado!


Lamento:

“Levantei-me ainda

noite

sono – solto – amordaçado...”


II

-Maria!

-Minha senhora?

-Quero o vestido passado!

A mesa que esteja posta!

E o menino lavado!


Lamento:

“Desde as cinco da manhã

que não respiro

não paro...”


III

-Maria!

-Minha senhora?

-Sirva o café

Escove os fatos!

Trate as pratas!

Lave a loiça!

Limpe o chão que está molhado!


Lamento:

“Desde as cinco da manhã

Que escovo – limpo

Que lavo...”


IV

-Maria!

-Minha senhora?

-O menino está lanchado?

Vá começando o jantar!
Quero este fato engomado!


Lamento:

“Desde as cinco da manhã

que não me sento

nem falo...”


V

-Maria!

-Minha senhora?

-Depressa dê-me o casaco!

Esteja a pé quando eu voltar!
E o menino deitado!


Lamento:

“Desde as cinco da manhã

que obedeço

e me calo...”

Maria Teresa Horta, In Poesia Completa – Vol. 2 , Litexa - Portugal

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Bem me quer, mal me quer

Bem me quer

Mal me quer


Bem me quer

Mal me quer

na noite calada

quem passa sem sequer

me deixar marcada

Sou de quem me quiser

que eu não quero nada

Quem me quer

Qual me quer

feiticeira ou fada?

Outra coisa qualquer

irmã, namorada

ou apenas mulher

com hora marcada

Mel me quer

Sal me quer

esse que se agrada

destes olhos sem ver

da boca cansada

e tudo espera ter

de quem não tem nada

Bem me quer

Mal me quer

Que importa, se a espada

já não dói, já não fere

a pele castigada

vestida para ser

a festa ensaiada

Quem me quer

Qual me quer

Bem me quer

Mal me quer

Muito, pouco, ou nada...


Ana Vidal, In Seda e Aço

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Para Maria da Graça

Procurando um texto em meu arquivo reli essa maravilha de Paulo Mendes Campos e divido com vocês.

Os grifos são meus.


Para Maria da Graça


Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.

Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.

Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca.

Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?"

Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta.

Ainda que seja mentira.

A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.

omos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.

Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.

A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon" Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gato se fosses eu?"

Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste.

Disse o ratinho: "A minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance só é o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energeticamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um romance!" Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.

Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo" Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.

E escuta a parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor.

Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.

Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".

Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

Paulo Mendes Campos, Para Maria da Graça, in Para gostar de ler, crônicas, São Paulo, Ática, 1979, v.4, p.73-76.)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A United quebra violões


O consumidor de hoje não aceita simplesmente um "não" como resposta. Ele usa a sua inteligência e novas tecnologias para expressar o seu sentimento. Dave Carroll teve seu violão danificado durante um vôo da United Airlines e utilizou sua habilidade de músico para expressar sua indignação com a forma como foi tratado pela empresa. Essa atitude se transformou no novo hit da internet. Tradução da Somma Consultoria - www.sommaonline.com.br - Você também pode fazer valer o seus direitos!

Ivensmc no Youtube




sábado, 15 de agosto de 2009

Foto: minha

Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura...

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava...

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência...

Mia Couto

domingo, 9 de agosto de 2009

Dia dos Pais

Há algum tempo recebi, por e-mail, essa carta cuja leitura emocionou-me. Momento único em que a filha desnuda-se emocionalmente ao escrever para o pai.

Hoje, dia dos pais, que possamos fazer uma reflexão sobre nossos relacionamentos e se ainda tiver tempo repensarmos nossas atitudes.

Boa reflexão!




Carta de Amor ao Meu Pai

Não sei quando comecei a te escrever esta carta. Talvez, tenha sido no momento, em que descobri que eras apenas humano. Naquele dia, decidi retirar dos teus ombros o fardo de herói. Lembro-me do meu desencanto por não corresponderes àquela imagem que eu via estampada nos anúncios de TV, quando se aproximava o dia de te comercializarem, emprestando-te signos que eu não encontrava em ti. Na minha ótica, ainda infantil, ficava a pensar se existia aquele modelo de pai, maior até que Deus, veiculado insistentemente pela mídia.

Olhava-te em tuas fragilidades e faltas renitentes, comparando-te com aquele pai de olhos azuis a rolar pelo tapete da sala com os filhos. Esta era a fotografia de pai que me era mais forte, em virtude dos apelos da propaganda. Em minha ingenuidade, ficava a me perguntar, porque meu pai não era assim.
Reportando-me à educação que tiveste, soa-me agora mais fácil compreender a tua inabilidade para demonstrar afetividade. Vinhas de uma família numerosa e pobre. Meu avô era um homem rude e seco, no que se referia aos filhos. Imbuído do sustento da família, sobrava-lhe pouco tempo para demonstrações de carinho. Estranhamente, agia de outra forma com os netos. Vem-me à mente, quando ele nos visitava e me punha no colo, fazendo-me mimos à sua maneira. Naqueles momentos, o vovó Joaquim tornava-se irreconhecível. Acho que buscava resgatar com os netos a ternura que não conhecera também, enquanto pai. Um exercício de paternidade que tentava recuperar, já que os tempos eram menos difíceis.
Quando abro meu álbum de memórias, quase nada recordo da minha infância. É como se ela tivesse sido apagada ou nunca existido. As lembranças mais consistentes apontam para a minha adolescência. Talvez, por ter sido a época, em que me vi tua filha de verdade. A caricatura do pai bonachão adquiria outra consistência e significado. O modelo de pai que eu tanto cultuara em minha imaginação rompia paradigmas. Foi preciso que a morte quase nos rondasse, para que eu enfim te compreendesse e pudesse te olhar sem falsas expectativas ou cobranças.
Fazia quase um ano que eu decidira não mais te falar. Cansara das discussões e da tua pouca decisão em mudar os rumos da tua vida. A minha determinação em te dizer, o que eu pensava, sempre te assustava. Devias pensar, como uma fedelha como eu, ousava te mostrar verdades que tanto negavas. O acidente automobilístico realizou duplo milagre: poupou-te a vida e modificou minha forma pouco indulgente de te ver. Recordo-me agora da minha aflição, quando me deparei com a possibilidade de te perder. Respirei aliviada, quando me informaram por telefone que estavas fora de perigo. Estando tão distante de ti, tanto fisicamente, quanto espiritualmente, não podia ir ao teu encontro.

Saíste do hospital e surgiu o momento de nos reencontrarmos. Eu fazia aniversário naquele dia. Em meio a festa que transcorria, emudeci com a tua chegada. Apenas olhei-te e com o orgulho restabelecido também, não fiz qualquer gesto para me aproximar. Tu, ignorando meu comportamento, pegaste-me pelas mãos e me conduziste a um lugar reservado. Não sei narrar, o que se passou naqueles instantes. Lembro-me apenas do calor do teu abraço, da tua voz pedindo-me perdão, por não seres o pai que eu tanto desejava. E quando te perguntei, se tu ainda me amavas, disseste-me algo que jamais esqueci: “Amo-te, desde quando nem sabias da cor dos meus olhos. Amo-te, desde quando eu sequer sabia, se eras um menino ou menina. Amo-te, desde quando sequer existias e apenas era um sonho do meu desejo de pai”.

Quase 21 anos se passaram. Hoje, tanto já galgamos em nossa relação. Compreendo que sempre foste amparo para os meus olhos. Mesmo no silêncio dos lábios, acompanhavas-me. Talvez, entenda-te tanto, porque me veja em ti. O silêncio do sentir herdei de ti. Emudecer diante da dor ou da extrema alegria são características nossas. Alguns chamam de indiferença e orgulho. Nós sabemos que não. É apenas o nosso jeito de não incomodarmos o mundo diante da pequenez do que somos.

Amar-te sem aquela armadura de pai herói me é muito mais fácil! Sabemos que estamos a todo momento nos reconstruindo, porque nos reconhecemos inacabados. Rasgamos os modelos, porque na dinâmica da emoção e da humanidade, os estereótipos apenas atravancam o processo de conhecimento e doação. Não sei, se um dia te entregarei esta carta. Hoje, apenas consegui te dizer: Feliz Natal Pai.
É papai... continuo tua menina estranha!

Iniciada no dia em que compreendi que o amor prescinde de atitudes de entrega do outro.

Fernanda Guimarães

sábado, 8 de agosto de 2009

Um leitor


Que outros se vangloriem das páginas que escreveram;

eu me orgulho das que li.
Não fui um filólogo,
não pesquisei as declinações, os modos, a laboriosa mutação das letras,
o de que se endurece em te,
a equivalência do ge e do ka,
mas ao longo de meus anos professei
a paixão da linguagem.
Minhas noites estão repletas de Virgílio;
ter conhecido e esquecido o latim
é uma posse, porque o esquecimento
é uma das formas da memória, seu porão difuso,
a outra face secreta da moeda.
Quando em meus olhos se apagaram
as vãs aparências estimadas,
os rosto e a página,
dediquei-me ao estudo da linguagem de ferro
empregada por meus antepassados para cantar
espadas e solidões,
e agora, através de sete séculos,
desde a Última Tule,
tua voz me alcança, Snorri Sturluson.
O jovem, diante do livro, impõe-se uma disciplina precisa
e o faz em busca de um conhecimento preciso;
em minha idade, toda empresa é uma aventura
que limita com a noite.
Não acabarei de decifrar as antígas línguas do Norte,
não afundarei as mãos ansiosas no ouro de Sigurd;
a tarefa que empreendo é ilimitada
e há de acompanhar-me até o fim,
não menos misteriosa que o universo
e do que eu, o aprendiz.

Jorge Luis Borges, In O Elogio da Sombra

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Refluxo

REFLUXO

para Clarice Niskier



Não aprendi a me conter.
Ainda vazo. Infiltro.
Ainda derramo.
Deságuam em mim correntezas. Rios sem margens.
Viver é ato contínuo.
Forma de eternizar o presente.
E há muitas formas.
Todas elas me cabem.
Todas elas me existem.
Umas desfolham. Outras me vestem.
Umas, outono. Outras, inverno.
Certas estações me vertem, sendo água.
Certas pessoas me transpiram, sendo quentes.
Acho que meu fluxo brota em letras.
Depois de escrever, eu jorro para o mundo.

Adriana Monteiro de Barros

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Nós...

Nós

que éramos fortes

amarrados, apertados

como nós,

fomos nos soltando,

desatando

desamando

acabando

minguando

naufragando

afundando

virando. . .

uma casca de noz.

Edda Vianna Nesi, In Vinte poetas à procura de um leitor

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Abraça-me


cuida de mim
não me cures

porque se me curares
deixas de te preocupar
comigo
que te afligia

porque se me cuidares
continuas a olhar
por mim
sem fim
Daniel Sant'Iago