quinta-feira, 24 de junho de 2010

O vendedor de simpatia


Costumo, como Frei Beto, fazer meus passeios socráticos.  Ando pelos shoppings, observo lojas e constato, muitas vezes, quantas coisas existem que não preciso para ser feliz.
Há uns 15 dias observava uma vitrine de uma loja de artigos para decoração. De repente me chamou a atenção o carinho com que um vendedor atendia a uma cliente.
Entrei na loja, disfarcei, admirei alguns objetos, mas com meu foco dirigido para aquele negro alto, forte e de sorriso encantador. Quando a cliente foi embora, dirigi-me a ele e falei: Se eu tivesse uma loja contrataria você para ser vendedor.
E daí começamos um papo – eu encantada com a sua simpatia e educação. Aquela educação de berço tão em falta nos dias atuais. Lamentei não ter em mãos minha máquina fotográfica para registrar aquele momento.
Outra vendedora, Jéssica, também muito delicada, prometeu-me fotografá-lo e enviar a foto dele por e-mail.
Essa semana me lembrei do episódio e lamentei não ter recebido a foto daquele “homem grande” com coração de menino.
Hoje fui lá especialmente para o fotografar e fazer essa postagem. Ele ficou surpreso pensando que eu havia esquecido do prometido. Não estava em um bom dia, havia se aborrecido anteriormente e me pediu mil perdões,  mas não estava com astral para ser fotografado. Nesse ínterim chegou a Sandra, a proprietária da loja, e se interou do acontecimento. Ao conversamos  o convenci que só estragam o nosso dia quando nós nos  permitimos.
Convivendo com tanta falta de educação é um prazer ser contemporânea de um ser como Moisés.



Moisés Nicolau de Souza




Sandra, Moisés e Jéssica

*Caso queira conhecer o Moisés a loja é: Nyhaün e localiza-se no 3º piso do Botafogo Praia Shopping.

** Talvez esse jeito do Moisés tenha despertado em mim uma saudade de meu pai que foi vendedor de uma loja de calçados durante 33 anos. Mais da metade da vida dele.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

José Saramago


Selecionei esse trecho de uma entrevista de Saramago há algum tempo.
Com sua partida resolvi postá-lo afirmando que é uma das mais belas passagens do Ensaio sobre a Cegueira.

Gostava de ser recordado como o escritor que criou a personagem do cão das lágrimas, no Ensaio sobre a Cegueira. É um dos momentos mais belos que fiz até hoje enquanto escritor. Se no futuro puder ser recordado como "aquele tipo que fez aquela coisa do cão que bebeu as lágrimas da mulher", ficarei contente. Se alguém procurar naquilo que eu tenho escrito uma certa mensagem, atrevo-me pela primeira vez a dizer que essa mensagem está aí. A compaixão dessa mulher que tenta salvar o grupo em que está o seu marido é equivalente à compaixão daquele cão que se aproxima de um ser humano em desespero e que, não podendo fazer mais nada, lhe bebe as lágrimas.  
José Saramago

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A mercearia que vende afetos


A história da Mercearia Paraopeba, em Itabirito,  e seus personagens.
Obrigada Lis por enviar-me  essa preciosidade.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

#Versificados



O projeto # versificados que espalha poesia nos classificados do jornal, estreia amanhã em 4 cidades com 15 poetas.
Conheça o projeto:

quinta-feira, 10 de junho de 2010

A Alice de Tim Burton


A Alice de Tim Burton - uma leitura psicanalítica

Alice no filme de Tim Burton nos diz várias vezes que aquilo não era um sonho, pois não adiantava se beliscar, mesmo que com força. Ela não acordava do sonho. Aquele era um mundo subterrâneo real e não um sonho. Um mundo ao qual ela já tinha ido, que ela já visitara várias vezes, mas do qual não se lembrava e que precisava se lembrar para saber se ela era ela. Criada por Lewis Carroll décadas antes dos escritos de Freud, Alice nos faz conhecer o mecanismo mental da repressão.

Para entrar neste mundo ela precisa ser simultaneamente adulta para pegar a chave e pequena para passar pela portinhola. Precisa encontrar uma solução e conviver com esta ambigüidade. Ser simultaneamente adulto e poder regredir faz parte inevitavelmente de todo processo de psicanálise. Neste mundo mágico, onde domina a fantasia, por vezes Alice é muito grande, pode tudo, onipotente. Por vezes é frágil, muito pequena, menor que uma criança pequena. Neste mundo vai encontrar seus fantasmas, os monstros que a aterrorizam e vai tentar superar seus conflitos. Como ser sempre boa se é necessário enfrentar e derrotar o monstro cortando-lhe a cabeça? Portanto precisa reconhecer que não é tão boa quanto acredita e que precisa de sua agressividade para preservar a vida. Então quem é Alice afinal? Como ela mesmo diz no livro de Lewis Carrol: “não sei explicar nem a mim mesma porque eu não sou eu, compreende?”

A busca por encontrar sua verdade e sua necessidade de transformação para tornar-se alguém de quem ela mesma goste, nos é dito pela própria um pouco mais adiante: “... e não adianta virem se pendurar na beirada e me dizer: Suba minha querida! Não vou nem olhar para eles. Vou só dizer: Primeiro digam quem sou. Se achar que me serve ser esta pessoa subirei. Senão, ficarei aqui em baixo até virar de novo alguém que valha a pena.”

Estas palavras nos são ditas de uma forma ou de outra por todos aqueles que mergulham no fundo de seu poço, penetram no seu mundo subterrâneo e adquirem a certeza que apenas lá encontrarão suas respostas. Nisto surge o chapeleiro maluco que estabelece uma incomum parceria com Alice. Ele cuida das coisas da cabeça e é claro não poderia ser lá muito normal. Mas esta parceria é essencial para que os caminhos no mundo subterrâneo possam ser realizados. Ele conhece os caminhos até porque já os trilhou e assim pode acompanhá-la. Esta idéia não é nova. Dante só consegue descer aos seus infernos guiado pela mão de Virgilio.

Quando Alice está mergulhada neste mundo fantástico, que tem lá a sua coerência, que não é necessariamente a do mundo da superfície, ela descobre algo fascinante ao se deparar com um monstro terrível que a ameaça quando vai buscar a espada. E, mais ainda, a chave do cadeado está no pescoço do monstro. Ela devolve a ele seu olho que lhe tinha sido tirado e neste instante o gesto de amor mitiga o ódio e o monstro se coloca ao lado dela, trata de sua ferida no braço e a ajuda a enfrentar as dificuldades e os demais inimigos. Esta é verdadeira chave que liberta. A pulsão de vida mitiga a pulsão de morte e a agressividade se torna um instrumento a favor da vida. Mas ela precisa resolver ainda um problema: como lidar com as rainhas (mães?) boa e má? Como administrar isto dentro de si? Lewis Carroll parece ter lido Melaine Klein 80 anos antes dela ter escrito seus trabalhos.

Quando Alice está próxima de enfrentar seu terrível monstro ela vai adquirindo seu tamanho real. Nem onipotentemente grande, nem fragilmente pequena. Após sua vitória, a solução dos conflitos, pode deixar para trás o chapeleiro maluco, com uma certa saudade e retorna a vida de superfície, onde não lhe é difícil agora resolver todas as suas questões. E Tim Burton sagazmente acrescenta a historia original a viagem à China, um enorme ampliar de horizontes. 

*JOSÉ RENATO AVZARADEL é psiquiatra e Membro Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise

terça-feira, 1 de junho de 2010

Futebol é religião?

Em 14 de abril postei aqui Os religiosos e suas intolerâncias.
Hoje recebi, por e-mail, uma análise profunda sobre o acontecido feita pelo Pastor Ed René Kivitz. 
Quanta lucidez!

No Brasil, futebol é religião

Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.
A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.
Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno; ou se Deus é a favor ou contra à prática do homossexualismo; ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.
O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.
Mas, quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz.
Os valores espirituais agregam pessoas, aproxima os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.
Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.

Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico, e santista desde pequenininho.