sexta-feira, 31 de julho de 2009

Receita para Pizzas

Imagem: daqui


dissolva dois tabletes de hipocrisia
numa porção de promessas não cumpridas.
acrescente uma xícara e meia
de descaso e oportunismo.
tempere com caixa dois à gosto
e não esqueça de rechear bem os bolsos
com bastante dinheiro público.
leve ao Congresso por tempo indeterminado,
e você terá todo o sabor
do político tipicamente brasileiro.

José Calazans

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Tenho pedras no bolso

Tenho pedras no bolso.

Muitas pedras no bolso.

Troco duas pedras por uma máquina de pensar.

Quando penso dói-me a cabeça.

Daí as pedras.

Tenho 5 pedras porque penso mal 5 vezes.

Tenho 5 pedras nos bolsos.



Quero viajar

Mas para viajar é necessário ser leve.

As pedras são pesadas.

Não consigo viajar com tantas pedras.

Tenho tantas pedras dentro da cabeça, dentro do crânio.

Total: 5.

Daí o meu peso.

Impossível viajar com tanto peso.


Quero comprar um máquina que pense por mim.

Tenho o livro de um filósofo.

Tenho 2 livros de um filósofo.

Um livro é uma máquina que pensa por mim

e é uma máquina barata.

Mas eu não quero que pensem por mim sempre

da mesma maneira.

O mesmo livro pensa sempre da mesma maneira.

Se eu fechar o livro, calo-me, e as pedras pesam-me

mais no crânio.

Se eu abrir o livro começo a falar, mas digo sempre

a mesma coisa.


Alguém me disse que um livro de poesia é diferente.

É uma máquina muito mais rápida.

A cada vez que passa, passa de outra maneira.

Deve ter pés estranhos.

Pés adaptáveis à terra

Ou então capazes de a dominar.

De resto nunca li um livro de poesia.

Sou demasiado homem para isso.

Sou demasiado contemporâneo: trabalho muito.
Ler poesia para quê?

Eu trabalho muito, sou contemporâneo. Ler poesia para quê?


Gonçalo M. Tavares, In O Homem ou é tonto ou é mulher

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Solidão...

SENTIR FALTA - verbo intransitivo, invariável, singular. Si­nônimo de falta de ar. Espectro, perseguição, obsessão. Mente perturbada pela presença constante de uma imagem, figura ou sensação. O mesmo que calafrio, sede, fome, transpiração. Falta de inspiração. Talvez um sim e um não, uma indecisão. Vontade de saber onde está, fazendo o quê e com quem. Ciúme, traição, dependência, necessidade, insônia, tesão. Conjuga bem com agonia, companhia, fantasia. Na primeira pessoa do plural não admite separação, rompimento. Risco de progressão, perigo, contaminação. Algo fatal, indenominável, fixação. Oxigênio, sem respiração. Pressão. Desespero. Início de paixão. Tempo que não passa. Pessoa que não aparece. Solidão.

Bianca Ramoneda, In Só.

terça-feira, 28 de julho de 2009

O que fazer?

"Nunca soube o que fazer
com os espaços que ficam
depois que alguém vai embora
uma dúvida insiste
e de tanto, o meu tentar desiste
de trocar a ausência
por qualquer coisa que fira menos:
nada para repor
nada para suprir
nada que realmente comportasse
o encanto de algo que ficou
para trás."
Cáh Morandi

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Alta tensão


Eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
Bruna Lombardi

domingo, 26 de julho de 2009

Opção

Rainha. . .

Escrava. . .

O que na vida

ela será?

Profissão

condição

de servidão

ou de soberania,

ufania,

ou é tudo

uma imensa,

terrível insânia?

Escrava. . .

Rainha. . .

Aos pés do senhor

nos braços do amante. . .

E só uma conotação

do que sente o coração.

Como rainha

sobe ao espaço.

Como escrava

se entrega

sem cansaço.

E no descanso,

dos seus braços

o regaço,

ela é rainha

do seu senhor,

escrava

do seu amor.

Sylvia Roriz, In Vinte poetas à procura de um leitor

sábado, 25 de julho de 2009

Dia Mundial do Perdão

Perdoar sempre me pareceu que era uma concessão a quem te ofendeu ou magoou. Mas vai além disso. Compreendo hoje que o perdão é fundamental para quem o concede e que, ao perdoar o outro, estamos principalmente perdoando a nós mesmos por termos errado, por termos nos equivocado na avaliação de uma pessoa ou não termos sido hábeis em determinadas situações de conflito. Perdoe. Perdoe-se.

Alex Xavier

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Arte sã

Homem é um bicho esquisito:

caça, come, joga fora a carcaça.

Mulher tem outro instinto:

escolhe, leva para casa, usa...

e com sobra dos ossos

faz um par de brincos.

Valéria Tarelho


quinta-feira, 23 de julho de 2009

Vem....

Vem
Caudaloso como um rio
Que procura destino e foz
Vem
Assombroso como a luz
Na hora final no ocaso
Vem
Inesperado como a chuva
Em dia quente de estio.
Serei calma e constante
Permanente e amante
Teu abrigo
Tua certeza.

Encandescente

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Absinto


Abduzo

o pensamento

obsessivo

Absorvo

losna, anis

sorvo

absinto

me abstraio

dessa dor

absoluta

Eliane Stoducto

terça-feira, 21 de julho de 2009

Sobre este dia precipitem as manhãs


Sobre este dia precipitem as manhãs
E multipliquem os pássaros que cantam
E completo o Outono venha
Folhas e folhas aspergindo a última respiração das coisas sobre a minha
Respiração
E todos os meus anos juntos se festejem de uma só vez e eu morra
Agora
E sobre este dia todos os dias
Desçam
Como inúmeras águas sobre uma gota de sangue.

Daniel Faria

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dia do Amigo

Os amigos invisíveis


Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade. Mandar relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação.

Os amigos são para toda a vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira. Temos o costume de confundir amizade com onipresença e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão. Amizade não é dependência, submissão. Não se têm amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra. É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.

Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa. Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas. E já se está falando mal dele por falta de notícias. Logo dele que nunca fez nada de errado!

O que é mais importante: a proximidade física ou afetiva? A proximidade física nem sempre é afetiva. Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.

Amigo mesmo demora a ser descoberto. É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.

Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios. São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem-estar.

Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade. Aqueles que não estão perto podem estar dentro. Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente. Não vou mentir a eles ¿vamos nos ligar?¿ num esbarrão de rua.

Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.

Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados.

Ou passar em casa todo o final de semana e me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos. Caso encontrá-los, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação. Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.

Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia, do blog. Significativos em cada etapa de formação. Não estão em nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinando, de modo imperceptível, as nossas atitudes.

Quantas juras foram feitas em bares a amigos, bêbados e trôpegos? Amigo é o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade.

Fabricio Carpinejar


Meu abraço carinhoso para meus amigos queridos.

domingo, 19 de julho de 2009

Aquarela

Foto: minha


Da minha infância
retiro as fotografias da família
no luto diário,
os olhos invisíveis
condenando curiosidades,
o baú de preciosidades
(e traças devassas),
trancadas a cadeado,
os sonhos desenfreados,
a mística do susto,
os flagrantes,
evitados a custo
e por fim retiro-me do porão
com tudo o que continha minha imaginação
delirante.
Fica a vida.

Que nem parecia importante.
Leila Mícollis

sábado, 18 de julho de 2009

Cola-Tudo


Encontrei um verso fraturado,
caído na esquina da rua do lado.
Tinha se perdido de um coração saudoso
que passava por ali, desiludido.

Coloquei-o de pé, emendei seus pedaços,
refiz suas linhas, retoquei seus traços.
Afaguei suas dores como se fossem minhas.
Agora, novamente estruturado,
espero que ele não olhe para trás
e não misture sonhos com amargas
falências do passado;
que saiba enfeitar a estrela lá na frente
com fartos laços de rima colorida. ...
pois é para o futuro que caminham
todos os passos apressados desta vida.

Flora Figueiredo

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Pisca-pisca

"A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais. [...] A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia.

Pisca e mama;
pisca e brinca;
pisca e estuda;
pisca e ama;
pisca e cria filhos;
pisca e geme os reumatismos;
por fim pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre? - perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é? "
Monteiro Lobato, In Memórias da Emília

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Nebulosas


Tem pessoas que amamos
de amor tão intenso
que com seus gestos-palavras
vão fabricando nebulosas
dentro do corpo da gente.
Roseana Murray, In Poemas de Céu

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Confidência


Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto

terça-feira, 14 de julho de 2009

Mentes perigosas


“Qualquer história sobre a consciência é relativa à conectividade que existe entre todas as coisas do universo. Por isso, mesmo de forma inconsciente, alegramo-nos frente à natureza gentil dos atos de amor.”
Ana Beatriz Barbosa Silva, In Mentes Perigosas, o psicopata mora ao lado.


Ana Beatriz Barbosa Silva, médica psiquiatra e escritora , autora de :

- MENTES INQUIETAS: entendendo melhor o mundo das pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas

- MENTES & MANIAS: entendendo melhor o mundo das pessoas sistemáticas, obsessivas e compulsivas

- SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO (em parceria com o publicitário Eduardo Mello)

- MENTES INSACIÁVEIS: anorexia, bulimia e compulsão alimentar

- MENTES COM MEDO: da compreensão à superação

- MENTES PERIGOSAS: o psicopata mora ao lado

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Dizemos...


"Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais difícil operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar emaranhados, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos, e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.".

José Saramago, O Caderno de Saramago

domingo, 12 de julho de 2009

As minhas rugas


Elas vieram de mansinho,

na surdina,

quando percebi

já estavam instaladas

no cantinho dos olhos,

na testa, à volta da boca.

Todo dia pela manhã

davam-me bom-dia

através do espelho,

todas as noites despediam-se;

eu reagi, não respondia às saudações,

ignorava as minhas rugas,

não queria vê-las;

pensei até muito seriamente

em assassiná-las

com bisturi.

Mas de mansinho, na surdina,

fui também me acostumando a elas

que contavam estórias de mim,

contavam que me gasto,

vibrando, rindo, chorando

que existo, que vivo enfim.

São o livro que escrevo

em minha própria face.

Com elas vou desenhando

minha vida em meu rosto,

há linhas de lágrimas,

linhas de alegria,

linhas de espanto e de pensares,

linhas de dispersão e de chamares;

de tensão, de entusiasmo,

de cansaço, de ansiedade.

Linhas de bom e mau-humor,

linhas bem traçadas de vitórias,

de felicidade, de harmonia;

linhas fortes de sofrimento, de dor.

Assim vão me contando de mim

as minhas rugas, e de mansinho, na surdina,

hoje aceito-as, consulto-as, admiro-as

e chego a amá-las quando são de amor!

Rosamaria Castello Branco, In Vinte poetas à procura de um leitor