domingo, 29 de abril de 2012

Um dia atípico



Hoje foi um dia atípico.

Acordei cedo e me dirigi para “o mundo mágico do ferro”. Sim, para
encarar uma cadeira com várias peças à minha espera, é preciso que
haja magia na execução da tarefa.

Saí e dei uma passadinha na Feira da General Glicério, onde ouvi
“The Beatles” em ritmo de chorinho, delícia!, encantamento para a
 alma.

Parti para Copacabana para tratar de assuntos relativos a uma obra.
O rapaz que está prestando o serviço é um exemplo de educação,
gentileza e honestidade - artigos raros nos nossos dias.

A beira da praia caminhei sentindo a brisa marítima misturada com
alguns pinguinhos de chuva.

Dalí, caminhei até o Shopping Rio Sul, entrei nas Lojas Americanas e
aproveitei as promoções de CDs e DVDs "compre três e pague dois".

Ao chegar a casa, fui assistir “Um dia para relembrar”, com o
brilhante Al Pacino.

O filme termina e nos deixa a mensagem: Precisamos QUERER para que
os sonhos se tornem realidade. Eu, que ando há um tempo sem sonhos,
muito pé no chão, me senti feliz.

Cansada de uma semana estafante, fui dormir o sono do descanso.
Telefones desligados. Só despertei quando a casa emitiu a energia da
chegada da minha Clara.

Agora escuto o 1º CD do Show inesquecível do Elymar Santos, quando
ele, um desconhecido para a mídia, apostou todos as suas fichas e
alugou o Canecão, mostrou seu talento e sua determinação. Para
alguns, é considerado um cantor brega. Mas o que é ser brega?

Chique ou brega: é simplesmente uma questão de estar de bem com a
vida.

Assim me sinto nessa noite de sábado de outono.

Regina Coeli Carvalho
Recanto das Letras em 29/04/2012
Código do texto: T3639227

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Para: Pero Vaz de Caminha


Para: Pero Vaz de Caminha

Interessante a carta que o Mastercard publicou no dia 22 de abril de 2012, no Jornal Estado de São Paulo, endereçada a Pero Vaz de Caminha.
Como brasileira também me sinto honrada em viver num país tropical e bonito por natureza - como bem cantou nosso Jorge Ben Jor. Porém gostaria de dar, também, minha contribuição para que nosso querido Pero se atualize com as mazelas enfrentadas pelo alegre povo brasileiro.


Querido Pero Vaz de Caminha,

Você não vai acreditar, mas a sua carta acabou virando uma espécie de certidão de nascimento do Brasil.
Ah! Talvez você não saiba ainda, mas a Terra de Vera Cruz virou Brasil. E pegou, viu.

Hoje temos uma Presidenta, não é chique? Mulher de fibra, sem deixar seu instinto maternal de lado, está sempre corrigindo os malfeitos de nossos políticos. Como boa mãe, geralmente os perdoa.

Você foi o primeiro a elogiar essa terra, apesar de ter conhecido só um pedacinho dela. Mas você vendeu bem o terreno.
Sua Alteza se interessou e logo o mundo todo estava querendo dar uma passadinha por aqui.

Nossos terrenos hoje estão muito valorizados. Temos excelentes construtoras que com um empurrãozinho dos nossos políticos fazem obras pelo país inteiro. Alguns valores são superfaturados, mas brasileiro é tão bonzinho que nem se arreta com essas insignificâncias.

Rapaz, você não imagina o que tinha atrás dos morros e montanhas que você descreveu. Um mundão.

Alguns morros e montanhas não existem mais, a especulação imobiliária destruiu grande parte da natureza. Nossos políticos não cuidaram bem de nossas terras, de forma que alguns temporais mais fortes destruíram cidades e desalojaram seus habitantes. Em Teresópolis, cidade fortemente atingida pelas chuvas, a prefeitura fez uma licitação para contratar serviço de buffet com previsão de gastos de 1 milhão. Não são fofos? Vão servir salgadinhos para os desabrigados. E veja bem: somos um país abençoado, não temos terremotos, tsunamis, nevadas - temos é um povo pacífico demais!

A galera aqui é show. Vários sotaques, jeitos,cores, culturas.
Mas com uma coisa em comum: o brasileiro é gente fina por natureza. Gosta de receber amigos, é festeiro, animado, enfim, feliz da vida.

Esse jeitinho do brasileiro, sempre festeiro, não contribui para a mudança da nossa política. Participam de shows, adoram carnaval, passeatas festivas, mas na hora de cobrar postura dos nossos representantes, é um povo acomodado.

Também o cenário ajuda, não é?
Como você bem observou, a natureza é incrível.

Principalmente no Rio de Janeiro, temos uma beleza ímpar. Mas você ficaria tão decepcionado com o estado de nossas praias, nossas calçadas, nossas praças abandonadas, a confusão no trânsito, o desrespeito com o cidadão comum.
Nossos deputados pretendendo desapropriar o antigo prédio da Bolsa de Valores, para ali construírem sua nova sede. Nosso dinheiro descendo ladeira abaixo. E por falar em ladeira, nosso famoso Bondinho de Santa Teresa, por falta de peças e manutenção causou vários acidentes - o último com a morte de seu condutor. Ah! O Secretário de Transportes? Vai bem, obrigado.

Tem enredo para você escrever mil cartas.

Você escreveria um livro imenso, quiçá um compêndio.

Você precisava estar aqui para conhecer a Amazônia, o Pantanal, todas as praias, as festas típicas, comer um bom churrasco e tomar cerveja com os amigos depois do futebol.

A Amazônia, que alguém chamou erroneamente de pulmão do mundo, já não é tão verde, sofre conflitos agrários, alguns dizem que está sendo vendida em partes.
O Pantanal tem sofrido tantas agressões dos humanos que acarretam vários prejuízos a flora e a fauna.
Quanto às festas e comidas típicas, não abuse da cerveja. Agora temos a Lei Seca, que embora tenha seu valor, é levada ao pé da letra - ou se preferir da multa.
Aliás, hoje o que temos é uma grande indústria de arrecadação: Guardas não orientam o trânsito, mas tem como principal função multar. E se você for feliz, pode encontrar aquele que, com um agradinho, troca a multa pela cervejinha.

Aliás, bata no peito e grite, meu amigo.
Você é pentacampeão mundial de futebol.

Embora pentacampeões, nossos jogadores, hoje, estão mais preocupados com o corte do cabelo, as baladas, os carrões possantes, os salários milionários, do que propriamente com o futebol.
Preparação física, treino e aquele futebol de outrora ficaram no passado do Maracanã.


A verdade é que a gente já passou por altos e baixos por aqui, sempre com uma perspectiva boa para o futuro.
Que nunca chegava.

Na realidade, continuamos com muitos baixos: salários, índices de Desenvolvimento da Educação, qualidade de atendimento nos hospitais, investimento nos transportes coletivos, tudo isso bem baixo.
Está a caminho o futuro.
Aguardamos melhoras nos transportes de massa, trens que funcionem adequadamente; barcas que façam o percurso Rio-Niterói sem aqueles probleminhas diários, que tenham em quantidade suficiente coletes salva-vidas, que saiam nos horários estabelecidos; Metrô funcionando sem atrasos, ar condicionado em perfeito estado, menos lotação e mais respeito com o povo! Esperamos também que as benesses concedidas para os empresários de ônibus sejam estendidas para a população que faz uso desse meio de transporte.
Aguardamos reformas nos hospitais, melhores condições de trabalho para médicos e paramédicos; equipamentos em perfeito funcionamento; macas para atender a demanda e não precisarmos mais assistir a pacientes estirados em bancos nos corredores dos hospitais.
Menos propinas nas licitações para medicamentos e materiais hospitalares, pois quem rouba da saúde está matando seu semelhante.

Mas chegou. O Brasil está bombando. Dá para sentir isso nas ruas.
Nas pessoas. Na atmosfera.

O Brasil está bombando é na corrupção, nos desvios de verbas, em propinas que jorram como cachoeiras (não tão belas como as que você conheceu quando por aqui esteve). Nas ruas, sentimos o cheiro do esgoto que vaza, da poluição no ar, das pessoas abandonadas pelo poder público, das maracutaias engendradas nos palácios, dos passeios de políticos nos jatinhos dos amigos.

Fico imaginando como seria o seu e-mail para Sua Alteza hoje. Vou arriscar, ta? Não fique bravo.
Vossa Alteza, não volto mais.
Viver num país feliz por natureza: não tem preço.

Ai parceiro, não volto mais. Isso aqui é muito bom.
Venha para cá também.
Nossa grande produção é de CPIs (que geralmente acabam em pizzas, iguaria muito apreciada por nossos políticos, alguns considerados imortais).
Somos um país feliz e lindo por natureza, mas pagamos um preço muito alto por não termos aprendido a VOTAR.

Meu Brasil não tem preço, Mastercad, O Estado de São Paulo, Caderno 2, 22 de Abril de 2012.

Regina Coeli Carvalho
Recanto das Letras em 26/04/2012
Código do texto: T3635097

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Meu agradecimento ao prefeito do Rio de Janeiro

Aqui no Rio de Janeiro os nobres políticos costumam confeccionar faixas com as seguintes mensagens:
“Os moradores da rua tal agradecem ao vereador fulano de tal e ao prefeito Eduardo Paes pelo asfalto colocado”.
“Os moradores da rua tal agradecem ao vereador fulano de tal e ao prefeito Eduardo Paes pela colocação de quebra-molas”.
“Os moradores da rua tal agradecem ao vereador fulano de tal e ao prefeito Eduardo Paes pela dragagem do rio tal”.
“Obrigado vereador fulano de tal e prefeito Eduardo Paes pelo novo viaduto”.

Eis minha faixa de agradecimento.

domingo, 22 de abril de 2012

O Alcoolismo – a doença da negação







Dois cafés e a conta....com Claudio Leite
Por Mario ventura, Revista O Globo 08 de Abril de 2012

Claudio Leite era o maior cirurgião infantil do país. Palavras do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho. Claudio perdeu a conta das vidas operou. Teve época em que parei, a mão tremia que salvou. Integrou as três maiores associações pediátricas do mundo. Criou uma técnica de entubação traqueal de recém-nascidos e desenvolveu cuidados pioneiros no pré e no pós-operatório. “Em uma época em que operar recém-nascidos e devolvê-los aos pais era praticamente um milagre, ele, com seus anestesistas e assistentes, resultados surpreendentes”, diz Rosa Célia, criadora do Pró-Criança Cardíaca. Por trás do sucesso, reconhecido no Brasil e no exterior, escondia-se uma doença que só a família sabia: alcoolismo. No dia 25, às 19h, ele lança rua na livraria Timbre o livro “Alcoolismo — doença da negação” (Editora Lacre). Aos 83 anos, mais de 20 como alcoólatra, Claudio está há 14 sóbrio, desde que entrou no Alcoólicos Anônimos (AA).
“Durante anos sofri e me destruí, destruí minha família, minha profissão e cheguei à solidão extrema e à completa desmoralização. Estou me expondo
muito com o livro, mas o benefício que ele pode trazer para quem é alcoólatra e ainda não se identificou com a doença compensa a quebra do anonimato.”

REVISTA O GLOBO: Como o senhor começou a beber?
CLAUDIO LEITE: Tomando um uisquinho à noite, para relaxar e descontrair. O alcoólatra se justifica: “Hoje trabalhei muito, mereço.” Bebia moderadamente. Mas o alcoolismo é uma doença de progressão lenta. Entre beber porque quer e porque precisa há um espaço muito grande de tempo. E há a negação. Dificilmente o alcoólatra admite que está bebendo demais. Passei anos bebendo sem controle e sem consciência dessa doença gravíssima, que mata mais do que o câncer e a Aids. O álcool é aceito pela sociedade, identificado à beleza e ao sucesso, mas há mais de 60 doenças secundárias associadas a ele.

Por que o senhor precisava beber?
Essa ideia de que você bebe porque tem um sofrimento muito grande é coisa do passado. Por séculos, o alcoólatra era aquele morador de rua, cheio de apelidos pejorativos, como pé de cana e pudim de cachaça. Acreditava-se que era vício, defeito de caráter, falta de força de vontade ou loucura. Mas é uma dependência química que afeta os componentes físico, mental e espiritual. Espiritualidade não é religiosidade, é uma força interna que nos mantém bem nós mesmos. E há uma herança genética. Eu tinha avô, tio, irmão, primo alcoólatras.

Como o senhor conciliava a medicina e o álcool?
 Procurava não beber na véspera de cirurgia. Meu amor pela Medicina era tão grande que suplantava a vontade de beber. Nunca entrei num centro cirúrgico bêbado. Um dia, com o  paciente já na mesa de cirurgia, liguei para meu assistente e disse que não tinha condições. Ele operou. Teve época em que parei, amão tremia muito, estava completamente doido. Em 1978, se tive um infarto. Não quis ficar internado, porque não poderia beber. Fui para casa e bebia uma - garrafa e meia de uísque por dia, infartado.

Como isso se refletia na sua família?
Nenhuma outra doença tem a capacidade de destruir a família como o alcoolismo. Minha mulher já quase não falava comigo. Há dez anos não dormíamos juntos, porque ela não agüentava meu bafo. A angústia e o sofrimento eram brutais. Eu tinha mania de arma, fiz tiro ao alvo. Um dia meu filho tirou tudo de casa, porque eu já estava com intenção de dar um tiro na cabeça. Diziam: “Claudio é mulherengo, adora mulher.” Não. Você adora a mulher que não fica dizendo: o “Não beba.” Por isso eu ia para motel e ficava dois, três dias com prostituta, para beber.

Como foi o processo de recuperação?
Minha família já tinha feito várias tentativas para - eu ir ao AA, mas eu, médico, agnóstico, orgulhoso e prepotente, me julgava acima de tudo. E o alcoólatra, nessa fase, tem um egocentrismo brutal, só pensa nele. Eu não queria entender  que é uma doença que nos faz iguais. No AA, você vê juiz ao lado de rapaz de 17 anos que roubou carro para o tráfico. Eu vivia trancado no quarto, sem tomar banho, bebendo vodca. Até que meu filho disse: “Papai, vou te dar uma última chance. Tome um banho e venha comigo.” Não sei por que obedeci. Era dia 11 de Um dia, com o novembro de 1997. Tinha 68 anos e estou sóbrio desde então. Tenho uma gratidão eterna pelo AA. Perdi muito tempo bebendo minha vida.