sábado, 14 de maio de 2011

Delicadas, as amizades


"Pode-se dizer tudo o que se pensa a um amigo?”
 “Quanto de verdade suporta um amigo?”
 “Aliás, o que é a verdade?", já indagava Pilatos antes de crucificar o outro.
"Como combinar, articular, fazer coabitar a verdade nossa com a verdade do amigo?"
São muito delicados os amigos. Ou se quiserem, as amizades. São delicadíssimas. E é por isso que convém aceitar que cada amizade tem suas fragilidades.
Bom, se o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, então, melhor seria que de diamante fosse. Este, inquebrantável.
Mas amizade, convenhamos, é coisa humanamente frágil. E a gente pensa que ela está aí para sempre. Mas não tem a durabilidade centenária das sequóias, que ficam se alongando e nos ofertando sombra acima de tudo. Às vezes, as amizades são essas orquídeas, carentes de um tronco alheio onde se alimentar e florescer.
A gente pensa que amizade é coisa só de seres humanos. Não é. Os animais curtem amizades; alguns, o amor, e outros chegam à paixão extrema por seus donos. E, no entanto, amigos, alguns cães se mordem, quase se arrancam às orelhas num ou noutro embate, às vezes por uma cadela no cio, às vezes por nada.
Pode-se perder uma amizade por excesso de zelo, como se ao esfregar demais o tecido o rompêssemos. Cuidado, portanto, com o excesso, às vezes excessivo. Claro, também se perde amigo pela escassez de socorro ou de sinalizações afetivas. Também pela fala mal desferida. Ou mal ouvida. A gente fala ou escreve uma coisa, o outro ouve outra coisa. Se não der para desentortar a frase ou o ouvido alheio, a amizade fica torta.
Diz o apóstolo Paulo que o amor tudo suporta, tudo espera, tudo perdoa.
- Será assim a amizade?
Até hoje não ficou muito clara a diferença entre amor e amizade. Mesmo porque muito amor termina se metamorfoseando em amizade; uma amizade pode virar amor, e podemos inimizar a quem amamos e nos esforçamos por ser amigo de quem nos despreza. De resto, para matizar ainda mais as coisas, os franceses costumam falar de "amizade amorosa", algo parecido com que aqui há tempos se chamou de "amizade colorida”.
Mas o que fazer quando algo nos incomoda no outro e a gente sente que, se não falar, a amizade vai começar a ratear?
Não há amizade assim solta no ar. Cada amizade tem sua usança e sua pertinência.
Deveríamos então criar um manual, algo assim como "Amizade, modo de usar?". Ah, sim! mas isso já existe, está, lá naquele best-seller Como fazer amigos e influenciar pessoas. Está?
Drummond tinha razão, uma triste razão, é verdade, ao dizer que as pessoas deveriam manter entre si a mesma relação que entre si mantêm a ilha e o continente, certo distanciamento e uma não muito estouvada confraternização.
Mas aí a amizade vira algo pouco tropical, e como Thomas Merton dizia que nenhum homem é uma ilha, o que fazer com os que não têm a fleuma mineiro-britânica e não suportam viver num frio ou morno relacionamento?
Há pilotos que pousam pesados Jumbos com uma suavidade angelical, e por isso merecem aplausos.
Há médicos que fazem incisões profundas para manter o outro vivo.
Como dizer o que se deve dizer sem sangue ou náusea?
Um dia um ex-amigo me disse: "No princípio tentei te imitar, depois resolvi te destruir.”
Tive de me proteger.
Quem, como José Martí, dirá que "cultivo a rosa branca em junho e em janeiro para o amigo sincero que me dá sua mão franca, e para o cruel que me arranca o coração com que vivo, nem cardo ou urtiga cultivo, cultivo a rosa branca"!?
Delicadas, as amizades. Uns porque se aproximando do poder esquecem os que no poder não estão. Neste caso não se pode nada. Outros porque viajam de formas várias e absolutamente impenetráveis ao redor do próprio umbigo. Retornarão algum dia?
Neste caso, como dizia Neruda, os de então já não seremos os mesmos.
Há vocacionados para amizade. Têm um dom natural. Árvores copadas onde se reúne o rebanho. Quando você vê, está todo mundo ali ouvindo, curtindo ou simplesmente estando.
Qual o grau de resistência de uma amizade? De um metal podemos dizer: derrete-se a tal ou qual temperatura.
São delicadas, as amizades. E mesmo as mais sólidas às vezes se desmancham no ar.
Affonso Romano de Santanna

Para que a amizade não se desmanche no ar transparência nas relações é o melhor caminho.
Infelizmente alguns calam e fogem do confronto. Outros ficam com suas “verdades” sem procurar ouvir a “verdade” do outro.
Tenho que concordam com o autor, amizades são delicadas.
Regina Coeli Carvalho


2 comentários:

Mel Braga disse...

Minha linda... que texto precioso...
Os amigos nos ensinam e muito até mesmo quando os perdemos...

Tenho uma grande amiga que me ensinou qu podemos dizer todas as verdades, só precisamos encontrar o momento e o jeito certo de dizer... mas, jamais faltar com esse elo tão precioso...

Já me afastei de pessoas por causa da mentira... pois, a considero a pior das traições, ela é porta de entrada para todas as outras...
Quem mente até por bobagem, jamais lhe será leal quando o momento for dificil ou ruim...

Não há formula exata para lidarmos com as pessoas... nós seres humanos somos curiosamente imprevisiveis, e talvez a graça da vida esteja exatamente nisso... no esforço que fazemos para oferecer nosso melhor e corrigir nossas falhas...

Seu texto é lindo e inspirador... nos faz repensar muitos valores e atitudes...
Bom ler vc minha amiga... aprendo muito com esse coraçãozinho abençoado!!!
beijo grande***

Kunti/Elza Ghetti Zerbatto disse...

Concordo plenamente em relação a amizade!
Quando pensa-se que ela vai durar para sempre, ela esvai-se como uma nuvem.
Sinceridade é sempre o melhor caminho e a base mais sólida.
É um bem precioso mas são poucos que sabem dar á ela o devido valor.
Excelente tema e texto.
O perfume dos crisântemos vai para ti com o meu carinho.
abraços