terça-feira, 27 de setembro de 2011

Ponto Nevrálgico

Foto: Minha

Às cinco horas da tarde
sobe-se e desce-se o Chiado
bebe-se chá no Chiado
bebe-se o ar do Chiado
come-se nas montras do Chiado
conversa-se no Chiado
conversa-se do Chiado
literatura-se no Chiado
figura-se no Chiado
Chiada-se.

Mendes de Carvalho

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Ele era uma criança de apenas 10 anos...


Ele era uma criança de apenas 10 anos...
Estamos todos estarrecidos com a tragédia ocorrida em São Caetano do Sul com uma criança de 10 anos.
Precisamos estar atentos aos sinais que são emitidos por crianças, jovens, adultos no decorrer de sua existência. Sinais são dados.  Pais, familiares, professores devem educar seu olhar para perceber o que está por trás de determinados comportamentos do outro a nossa volta.
Percebo pais que só atendem aos sinais de compras: filho pede para ir ao shopping para o mais novo lançamento de determinado brinquedo; pais imediatamente vão às compras. Exibir a mais nova fantasia de herói, o mais novo celular, o iPod atualizado e outras geringonças eletrônicas estão na lista de prioridades.
E o olhar generoso sobre sentimentos do filho, por onde anda?
Não estou emitindo nenhum juízo de valores sobre o acontecido, não conheço a história de vida do menino nem as condições em que vivia. Porém, surge a necessidade de um olhar reflexivo de como estamos educando nossos filhos. Qual a qualidade de tempo que estamos dispensando para suas necessidades emocionais?
Reflexão pertinente ao momento que vivemos em que o TER substitui o SER na maioria dos casos.
Conversar com o filho, procurar entender suas dificuldades, acariciar, aconchegar nos momentos de tristeza e saber dizer não na hora certa são formas de amar.
Repensar valores, jogar fora os lixos existenciais que carregamos, re-começar pode ser um caminho para um futuro mais saudável para nossas crianças.

Regina Coeli Carvalho
Publicado no Recanto das Letras em 23/09/2011
Código do texto: T3236453

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Carta para o Caio


Querido Caio,
Hoje é seu aniversário.
De repente, senti uma vontade imensa de escrever pra você.
Tenho o maior orgulho de ser sua contemporânea. Quando li “Limite branco” e “O ovo apunhalado”, ainda adolescente, confesso que não entendi muito bem - estava na fase romântica, sua ironia em alguns trechos não foram bem captadas por mim. Mas algo ficou no ar. A vontade de ler posteriormente com mais tempo e disposição (acredito que nascia, ainda que inconsciente, uma vontade de o conhecer melhor).
Mais madura, percebi outro Caio, diferente daquele que minha percepção foi capaz de absorver inicialmente.
Desde então li tudo que você escreveu: tenho na minha estante o “Cantinho do Caio”, logo abaixo do “Cantinho do Pessoa” - os outros autores estão juntos e misturados.
No exercício do magistério, incentivei muitos jovens a ler a  sua obra, embora não seja professora de Literatura, acredito que os significados psicológicos que sua escrita contém são caminhos indispensáveis para ajudar no olhar para o outro.
Em 2009, quando do lançamento do livro da Paula Dip, estava de viagem marcada para Portugal. Sem poder esperar para ler “Para sempre teu, Caio F.", dei uma escapa na Livraria da Travessa, a única onde o poderia comprar num domingo de manhã.
Não senti as horas de viagem. A leitura de suas cartas me fizeram viajar para outro mundo: o das pessoas sensíveis, delicadas, gentis, irônicas, que estão sempre prontas para o outro e abertas para o amor. Assim é (era?) você.
Você afirmou: “Queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que escrevi”. Hoje há uma geração que nem era nascida quando você começou a escrever e que lhe venera; trechos de sua obra nas redes sociais, nos blogs, nas dedicatórias e por ai afora.
Se você ainda estivesse entre nós sofreria muito com tanta violência, corrupção, hipocrisia, injustiças, discriminações. Talvez, sua sensibilidade o levaria para outro caminho da escrita: o das denúncias.
Não sei.
Como você, "Ando bem, mas um pouco aos trancos. Como costumo dizer, um dia de salto 7, outro de sandália havaiana".
Com todos os tropeços, continuo seguindo a sua máxima: “Um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele...Guardei a minha no bolso. E fui.”
Fique bem.
"Vai um cheirinho de alecrim e muito carinho",
Regina Coeli Carvalho

“Tenho pena das pessoas que não escrevem cartas.”
“A gente não deve permitir que as cartas se tornem obsoletas, mesmo que, talvez, já tenham se tornado.”
Caio Fernando Abreu

Dedico essa homenagem ao Paulo César, meu ex-aluno, filho do coração, que de Berlim me envia cartas. Quando o presenteei com "Para sempre teu". Caio F., livro da Paula Dib, publicação das cartas trocadas entre eles, meu lindinho falou: "Vamos guardar nossas cartas, quem sabe publicaremos um livro." Estou em débito, ele escreve mais do que eu.

Regina Coeli Carvalho
Publicado no Recanto das Letras em 12/09/2011
Código do texto: T3216079