domingo, 16 de janeiro de 2011

Catarse...

Afilhado
 
Ele foi meu filho emprestado até os 12 anos. Acompanhei a gestação de minha irmã, seu nascimento, a notícia dada pelo médico de que nascera com um problema congênito.

Sofri e chorei durante 1 ano e meio em que usou gesso nas duas pernas até a 1ª cirurgia.

Sofri, mais ainda, quando na operação mal sucedida seus tecidos foram necrosados.

Chorei de alegria quando deu os primeiros passinhos, sem o gesso, usando botinhas ortopédicas.

Aos 5 anos nova cirurgia, levava-o para o parque com gesso nas pernas a fim de que brincasse com um barquinho a motor, seu brinquedo predileto.

Sofri quando constatamos que na 2ª cirurgia cortaram um pedaço do tendão agravando o problema inicial.

Vibrei quando enfrentou com galhardia o deboche cruel de um coleguinha na nova escola.

Vibrei quando se preparava para jogar futebol, embora não pudesse usar outro calçado que não fosse a bota. Percorri várias lojas até encontrar um tipo de tênis que servisse no seu pé para usar somente uma vez na disputa do torneio de futebol.

Acompanhei seu desempenho escolar, suas redações sempre elogiadas, suas medalhas conquistadas pelo excelente desempenho escolar.

Vibrei quando passou para a Escola Técnica Federal e me desdobrei em várias no momento em que precisou fazer uma nova cirurgia, necessitando ficar um período em cadeira de rodas, e como estava cursando o 1º ano não era permitido trancar a matrícula. Corri atrás, na frente, ao lado, procurei orientadores, psicólogos, diretores e consegui que abrissem uma exceção.

Chorei de agradecimento ao Dr. Arnaldo Santiago que com suas mãos mágicas devolveu-lhe o andar normal.

Tinha 12 anos quando engravidei, recebeu a notícia enciumado talvez pensando que a madrinha iria abandoná-lo. A forma que encontrei para abrandar seu ciúme foi participando que ele seria o padrinho do neném.

Clara afirma que eu não poderia ter escolhido um melhor padrinho para ela, se entendem muito bem. Ela cita um trecho da música do Cazuza “Nossos destinos foram traçados na maternidade”, dizendo ser o fundo musical da relação deles. Foi através dele que sua paixão pelo cinema foi despertada.

Na semana passada minha irmã comentou que ele havia sido convidado para ir trabalhar em Angola. Não registrei bem a notícia, achei que era uma coisa para um futuro distante.

Hoje conversamos por telefone e fiquei sabendo que assumirá seu novo posto na próxima semana. A ficha caiu!

Choro um misto de alegria, de saudade, de tristeza. Não consigo identificar esse choro. Sei que será uma nova experiência profissional, terá um melhor salário, um cargo mais elevado, por outro lado sabê-lo tão longe bate uma saudade cheia de antecedência.

Meu afilhado, meu compadre, meu sobrinho, meu amigo, seja feliz na nova caminhada. Eu daqui vou torcer por você. Coração apertado, chorando de saudade, mas vibrando pelo seu sucesso.

Sua dinda.
04/01/11

*Escrito como uma catarse, sem revisão.

 
Regina Coeli Carvalho
Publicado no Recanto das Letras em 07/01/2011
Código do texto: T2715920

**Neste momento ele está voando rumo a Angola, um pedacinho do meu coração viaja junto dele.

6 comentários:

Marcio JR disse...

Tive o imenso prazer de poder ler este primor de texto antes de ser postado. E te confesso que me emocionei.

A cada vitória, comemorei junto. A cada indignação sua, me indignei também. E o texto correu assim, mexendo com meus sentimentos.

Linda homenagem, Rê. Bjs.

Marcio

Mimi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mimi disse...

Rê...
Emoções de gente como você, tão bem escritas, valem a vida da gente.
Tão bom poder receber essa dádiva que é o seu coração exposto no canteiro...Uma flor rara !
Esse moço, Marcio Jr! Falou também tudinho o que eu senti.
Obrigada aos dois!
Privilégio meu, ter a sua amizade.
Beijos

Anônimo disse...

Dinda,

Eu só posso agradecer por tanta dedicação e carinho que sempre teve por mim. Se hoje estou caminhando por esta estrada, tenho a consciência de que fui guiado por ti e outros familiares que sempre foram muito amorosos e me ensinaram muito.

O ensinamento foi feito da maneira que acho ideal, ensinando através dos exemplos, mostrando na prática os principais valores que um homem deve ter e exercitar em sua vida. Eu me esforço a cada dia para por em prática essas lições e passar aos pequenos que me cercam.

Tenho a certeza que também "aprendi a aprender" contigo, por conta de uma certa disciplina que seu lado professora me dedicou.

Sou grato também por ter partilhado de bons momentos em minha infância, ao seu lado e ao lado do tio Léo, pois só tenho ótimas lembranças de nossos passeios e festas de aniversário.

Agradeço mais ainda por ter sido escolhido para ser padrinho da Tica, pois realmente sou fã e sinto muito carinho por ela. Espero ainda poder retribuir um pouco mais do que recebi, talvez sendo um amigo ainda mais próximo, conseguindo me fazer mais presente, mesmo que distante.

Muito obrigado !

Bjs,


Didi

José María Souza Costa disse...

Um texto " Explendoroso", em um blogue Avassalador.
Parbens.
Fique com DEUS

Ester disse...

Li o seu texto atentamente e me vi emocionada diante de um amor tão lindo e grande, não precisamos gerar para sermos mães, precisamos ter um grande coração feito o seu para abraçarmos e cuidarmos das pessoas com carinho.

Sua catarse foi uma inspiração!


Ester.~