Recebi esse relato por email, como o texto estava sem autoria fui verificar a veracidade dele. Foi escrito pelo médico anestesista Eduardo Raia.
Se um médico passou por uma situação inacreditável como essa imaginem como nós, ignorantes dos procedimentos médicos, estamos expostos.
Há cinco anos perdi um irmão vítima de negligência médica e a dor da perda é ainda maior por sabermos que uma vida poderia ser salva se houvesse mais comprometimento por parte dos profissionais que dele “cuidavam”.
RELATO DE UM SOBREVIVENTE
Bom, aqui estou eu vivo e saudável graças ao meu bom Deus que com toda a certeza deste mundo estava ao meu lado, ou melhor, estava comigo em seus braços e aos seus anjos da guarda enviados, Marcello Vianna, Márcio Ananias e Cláudio Vieira, todos muito responsáveis por eu estar aqui agora escrevendo esta história.
Estava eu internado, sendo hidratado para tentar expelir uns cálculos que estavam impactados em meu ureter quando um auxiliar de enfermagem da Casa de Saúde São José colocou uma solução de 50 ml de soro fisiológico com uma medicação chamada Nexium que serviria para proteger meu estômago. Não era o Nexium que estava ali dentro. Era ali, naquele momento, que começaria a pior experiência que eu passei em toda a minha vida, a de morrer, de saber que ia morrer sem nada poder fazer, de saber do que estava morrendo e não poder avisar aos meus anjos que me socorriam, de morrer tão jovem e cheio de sonhos...
Uma sucessão de erros iniciados na farmácia da Casa de Saúde, que liberou uma droga de uso restrito em centro cirúrgico para um andar de enfermarias, passando pela diluição sem conferência pela enfermagem, culminou na administração de uma droga chamada Nimbium em minha veia. O Nimbium é um relaxante muscular derivado do curare, usado em anestesia geral para paralisar os músculos, permitindo ao cirurgião um relaxamento muscular adequado à realização de cirurgias. Portanto, quando administrada sozinha, esta droga, produz paralisia de todos os músculos do corpo, inclusive os responsáveis pela respiração, mantendo a pessoa imobilizada, porém consciente de tudo.
Agora, vocês podem imaginar o que eu, um anestesiologista, conhecedor profundo dos efeitos desta droga, senti. Minha vida foi-se indo, sem forças para respirar, sem forças para avisar aos meus anjos, que ainda atônitos me davam os primeiros socorros de suporte a vida, sem ter a menor idéia do que havia acontecido. Com toda a minha força e alegria de viver, lutei contra esta droga, que por alguns segundos me venceu. Porém, graças a uma máscara e um ambú salvador, que demorou a chegar porque o carrinho com o equipamento de ressuscitação do hospital estava com suas rodas quebradas e se desprendendo, ressurgi respirando por força das “ambuzadas” salvadoras do Cláudio Vieira, um amigo, pai, irmão, companheiro de trabalho que lutava ali pra me salvar. Juntei todas as minhas forças, porque graças à “presença de espírito” do Marcello Vianna que estava ao meu lado quando se iniciou a administração da droga, a mesma foi interrompida por ele, permitindo que apenas uma pequena quantidade tenha realmente entrado em minha veia. Consegui então, verbalizar com muito esforço aos meus outros dois anjos (Márcio Ananias e Cláudio Vieira) a palavra: “curare... foi curare...” e desta forma receber o tratamento definitivo.
O mais impressionante de tudo isto, é que naquele momento a Casa de Saúde estava recebendo um certificado internacional de Acreditação Hospitalar, e eu ali, morrendo por um erro grosseiro de toda uma estrutura hospitalar que estava sendo certificada internacionalmente por sua excelência em atendimento hospitalar, que ironia não? Curiosamente neste dia, folgas de funcionários haviam sido canceladas, número de cirurgias diminuídos para que não se repetissem as cenas que eu vi na semana anterior, de pacientes e acompanhantes sentados no chão da recepção de tão cheio que o hospital estava. Tudo isso para que os acreditadores tivessem uma boa impressão do hospital.
Mas o que aconteceu? O que levou a tantos erros? O que pode levar um funcionário da farmácia a liberar uma medicação errada? O que pode levar uma farmacêutica permitir que isso aconteça? O que levou um auxiliar de enfermagem experiente a diluir e administrar uma droga errada? Que a Acreditação canadense me responda. Que o excesso de burocracia ou “burrocracia” que a tão falada Acreditação prega, me responda. Que bom que possam responder a mim e não aos meus herdeiros... Será que não estamos vivendo um momento de excesso de papéis? São tantos termos, formulários, protocolos, fichas que os profissionais de saúde têm que preencher que no momento mais crucial, no momento em que deve haver mais concentração, no momento em que se deve cuidar do paciente, separar e diluir as medicações, estes profissionais estão esgotados mentalmente, sendo passíveis de erros tão grosseiros que podem determinar o fim da vida de um ser humano. Que segurança hospitalar é essa pregada onde papéis são mais importantes do que os seres humanos?
Muitos me perguntam o que eu vou fazer, outros me afirmam “você vai processar né”, porém, o que eu realmente vou fazer, com o tempo, todos saberão. Todavia, eu que sempre lutei pela ética, pela boa prática médica, pela lisura em todos os campos da vida, que critiquei os que se omitiram por covardia, eu, que sempre levei o lema “não me assusta os gritos dos homens maus, mas sim, o silêncio dos homens de bem”, não posso me calar, tenho que lutar e exigir mudanças. Não é possível se administrar uma medicação e simplesmente dar as costas para o paciente. Porque o enfermeiro não leva a prescrição até o quarto, não a lê para o paciente e prepara a diluição na frente do paciente? Isso não aumentaria a segurança? Não seria isso excelência hospitalar? De uma coisa eu tenho certeza, mudanças profundas precisam ocorrer, porque o que aconteceu comigo não pode acontecer mais. A medicina e a assistência ao paciente precisam de uma reformulação profunda de seus conceitos, visando à maior atenção a quem de direito: pacientes e profissionais de saúde em detrimento ao lucro e a papelada burocrática.
Encerro aqui muito feliz por estar vivo e bem, agradecendo a Deus por tudo em minha vida e a todos meus amigos e parentes por fazerem parte da minha vida.
Eu amo todos vocês...
Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2011.
EDUARDO RAIA
Fonte: Blog de Eduardo Raia
3 comentários:
Tô chocada, lembrando de algo que sofri tão semelhante. Uma infecção renal, aplicação de um remedio, para o antibiotico não fazer mal ao meu estomago. De repende um choque! Pressão 5 por 3 e um corre corre para ser entubada para a lavagem estomacal,por que a famosa substancia( Ranitidina ) podia abrir um buraco no meu estomago me matando de hemorragia. Hospital São vicente de paula, na tijuca. A enfermeira na pressa, esqueceu que se palica ranitidina na veia durante dois minutos e não de uma vez. Sai dessa e estou até hoje tentando entender pq não processei? Mas confesso que desacreditei de todos e me tornei muito cetica em relação a medicos, enfermeiros e tudo o mais. Pensei muito na ética, essa mesma que nos faz trablahar com cuidado e consciência. Se eu posso pq todos não pensam e agem do mesmo jeito?
Amiga, bem postado e graças a Deus ele soube lidar com um venedo poderoso como o curare. o conhecimento dele o ajudou.
Beijos e parabéns!!
Olá Regina,
O questionamento que você faz no início é muito legítimo e nos assusta muito, pois se um profissional médico é vítima de um erro brutal desses, o que podemos esperar do nosso sistema de saúde?
Regina, obrigada pela visita ao meu blog e seja muito bem vinda.
Um abraço,
Celêdian
Bendita internet que nos proporciona tomarmos conhecimento de casos como esse.
A cada dia o descaso com a vida humana aumenta. Hoje, principalmente na rede privada, somos um nº e nos qualificam de acordo com o nosso plano de saúde.
Chocado!
Rê, você, como sempre, nos mantendo informados com essas atrocidades desse país de meu deus.
Vamos gitar juntos!
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