sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Poeta e o Juiz

Em Cachoeiro de Itapemirim (ES) o povo ergueu na praça principal o busto de um poeta. E esculpiu nesse busto versos do poeta. O poeta chama-se Newton Braga, tão universal e humano quanto seu irmão, o cronista Rubem Braga, embora menos conhecido do que este porque escolheu residir na sua terra natal.

O primeiro aspecto a realçar é que a homenagem máxima da cidade foi fruto de uma subscrição popular. Centenas de pessoas assinaram a lista de doações tendo havido contribuições minúsculas, algumas destas sumamente expressivas porque os signatários colocaram toda a força da alma ao assinar. Destaque-se ainda que não se tributava honra a um homem de poder, como é bem mais comum ocorrer.

Os versos esculpidos no granito são os versos finais do poema “Fraternidade”:

 Esta sensibilidade, que é uma antena delicadíssima,
 captando pedaços de todas as dores do mundo,
 e que me fará morrer de dores que não são minhas.

Vejo uma identidade entre o juiz e o poeta. O juiz também morre de dores que não são suas. Deve ser capaz de viver o drama dos processos, descer às pessoas que julga, incorporar na alma a fome de Justiça do povo a que serve.

O juiz haverá de ser um misto de juiz e poeta, não com o sentido pejorativo que se desse a essa fusão. Mas com o verdadeiro sentido que há em ver como atributos da Justiça a construção da Beleza, obra do artista, e a construção do Bem, obra do homem que procura trilhar o caminho da virtude.
  
Diverso e oposto desse paradigma de juiz seria o juiz distante, distante e equidistante, cuja pena se torna para ele um peso, não por sentir as dores que não suas, mas pelo enfado de julgar, pela carência do idealismo e da paixão que tornariam seu ofício uma aventura digna da dedicação de uma existência.
  
A lei como instrumento de limitação do poder é um avanço da cultura humana, caracteriza o Estado de Direito.

Mas a tábua de valores de um povo não está apenas na lei. Está sobretudo no estofo moral dos aplicadores da lei. Não há arquitetura política, sistema de freios do poder, concepção de instâncias superpostas a permitir a utilização de recursos, não há enfim engenharia processual que assegure a um povo tranquilidade e Justiça se os juízes forem corruptos, preguiçosos, egoístas, estreitos, sem abertura para o social, ciosos apenas de suas vaidades.

O juiz-poeta será aberto ao universal porque a Poesia descortina os horizontes do mundo e rompe com as estreitezas.
  
Aberto ao universal, terá do Direito uma visão sistêmica, percebendo a relação do Direito com os outros saberes humanos. Portador de cultura ampla, impulsionado pela Poesia a ver sempre além, terá consciência de seu papel social, mediador de culturas num Brasil plural.
  
O juiz-poeta cultivará o estudo, o trabalho intelectual, os livros. Seguirá o conselho de Olavo Bilac: “Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego do claustro, na paciência e no sossego, trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

O juiz-poeta não se fechará no estreito mundo do jurídico e menos ainda no estreito mundo de códigos e leis interpretados literalmente. Abrirá as janelas para enxergar toda a complexidade dos problemas humanos, pensará sempre nas consequências sociais de suas decisões. Nunca lavará as mãos, como Pilatos, jogando sobre o legislador a culpa por sentenças que, a seu próprio critério, sejam profundamente injustas, sem o esforço de buscar caminhos de interpretação para que prevaleçam, nos julgados, os valores éticos que a própria Constituição Federal coloca como parâmetros da organização social brasileira, como muito bem analisou em livro o jurista gaúcho Juarez Freitas.
  
Um juiz e uma Justiça que participem do esforço de superação das injustiças estruturais, isto é o que se espera como programa de ação de um Judiciário sensível e vigilante. Em síntese: juízes-poetas que se desdobrem para fazer da Justiça uma obra de Poesia e de Grandeza.



HERKENHOFF, João Baptista. O poeta e o juiz. Disponível em http://www.lfg.com.br - 01 de dezembro de 2010.

*Os grifos são meus.

Dedicado à Juíza Paula Fernandes Machado de Freitas


4 comentários:

Mimi disse...

Mais uma pérola da Regina.
Pérola talvez seja pouco...
Um diamantezinho brilhando em meio à tanta mediocridade!!!
Linda homenagem, querida amiga!
Beijos nesse coração!

Anônimo disse...

Minha amiga,
Admiro sua sensibilidade em postar esses exemplos de vida, de ética, de justiça.
Fiquei curioso em saber quem é essa Juíza a quem você dedica o artigo.
Uma certeza me acompanha, deve ser gente da melhor qualidade.
Você tem um feeling para descobrir autores e pessoas que nos fazem acordar do estado de desânimo com as coisas a nossa volta.
Sou seu eterno admirador.
abrs

Anônimo disse...

Esqueci que não está entrando com meu login.
Max xavier

Anônimo disse...

Já vi algumas decisões dessa Juíza. Homenagem brilhante! Ela sabe o que faz. Justa homenagem .Vou procurar algumas de sua decisões e postar trechos aqui...
Lígia Teles