Dois cafés e a
conta....com Claudio Leite
Por Mario ventura,
Revista O Globo 08 de Abril de 2012
Claudio Leite era o
maior cirurgião infantil do país. Palavras do neurocirurgião Paulo Niemeyer
Filho. Claudio perdeu a conta das vidas operou. Teve época em que parei, a mão
tremia que salvou. Integrou as três maiores associações pediátricas do mundo.
Criou uma técnica de entubação traqueal de recém-nascidos e desenvolveu
cuidados pioneiros no pré e no pós-operatório. “Em uma época em que operar
recém-nascidos e devolvê-los aos pais era praticamente um milagre, ele, com
seus anestesistas e assistentes, resultados surpreendentes”, diz Rosa Célia,
criadora do Pró-Criança Cardíaca. Por trás do sucesso, reconhecido no Brasil e
no exterior, escondia-se uma doença que só a família sabia: alcoolismo. No dia
25, às 19h, ele lança rua na livraria Timbre o livro “Alcoolismo — doença da
negação” (Editora Lacre). Aos 83 anos, mais de 20 como alcoólatra, Claudio está
há 14 sóbrio, desde que entrou no Alcoólicos Anônimos (AA).
“Durante anos sofri e
me destruí, destruí minha família, minha profissão e cheguei à solidão extrema
e à completa desmoralização. Estou me expondo
muito com o livro, mas
o benefício que ele pode trazer para quem é alcoólatra e ainda não se
identificou com a doença compensa a quebra do anonimato.”
REVISTA O GLOBO: Como
o senhor começou a beber?
CLAUDIO LEITE: Tomando
um uisquinho à noite, para relaxar e descontrair. O alcoólatra se justifica:
“Hoje trabalhei muito, mereço.” Bebia moderadamente. Mas o alcoolismo é uma
doença de progressão lenta. Entre beber porque quer e porque precisa há um
espaço muito grande de tempo. E há a negação. Dificilmente o alcoólatra admite
que está bebendo demais. Passei anos bebendo sem controle e sem consciência
dessa doença gravíssima, que mata mais do que o câncer e a Aids. O álcool é
aceito pela sociedade, identificado à beleza e ao sucesso, mas há mais de 60
doenças secundárias associadas a ele.
Por que o senhor
precisava beber?
Essa ideia de que você bebe porque tem um sofrimento muito
grande é coisa do passado. Por séculos, o alcoólatra era aquele morador de rua,
cheio de apelidos pejorativos, como pé de cana e pudim de cachaça.
Acreditava-se que era vício, defeito de caráter, falta de força de vontade ou
loucura. Mas é uma dependência química que afeta os componentes físico, mental
e espiritual. Espiritualidade não é religiosidade, é uma força interna que nos
mantém bem nós mesmos. E há uma herança genética. Eu tinha avô, tio, irmão,
primo alcoólatras.
Como o senhor
conciliava a medicina e o álcool?
Procurava não beber na
véspera de cirurgia. Meu amor pela Medicina era tão grande que suplantava a
vontade de beber. Nunca entrei num centro cirúrgico bêbado. Um dia, com o paciente já na mesa de cirurgia, liguei para
meu assistente e disse que não tinha condições. Ele operou. Teve época em que
parei, amão tremia muito, estava completamente doido. Em 1978, se tive um
infarto. Não quis ficar internado, porque não poderia beber. Fui para casa e
bebia uma - garrafa e meia de uísque por dia, infartado.
Como isso se refletia
na sua família?
Nenhuma outra doença tem a capacidade de destruir a família
como o alcoolismo. Minha mulher já quase não falava comigo. Há dez anos não
dormíamos juntos, porque ela não agüentava meu bafo. A angústia e o sofrimento
eram brutais. Eu tinha mania de arma, fiz tiro ao alvo. Um dia meu filho tirou
tudo de casa, porque eu já estava com intenção de dar um tiro na cabeça.
Diziam: “Claudio é mulherengo, adora mulher.” Não. Você adora a mulher que não
fica dizendo: o “Não beba.” Por isso eu ia para motel e ficava dois, três dias
com prostituta, para beber.
Como foi o processo
de recuperação?
Minha família já tinha feito várias tentativas para - eu ir
ao AA, mas eu, médico, agnóstico, orgulhoso e prepotente, me julgava acima de
tudo. E o alcoólatra, nessa fase, tem um egocentrismo brutal, só pensa nele. Eu
não queria entender que é uma doença que
nos faz iguais. No AA, você vê juiz ao lado de rapaz de 17 anos que roubou
carro para o tráfico. Eu vivia trancado no quarto, sem tomar banho, bebendo
vodca. Até que meu filho disse: “Papai, vou te dar uma última chance. Tome um
banho e venha comigo.” Não sei por que obedeci. Era dia 11 de Um dia, com o
novembro de 1997. Tinha 68 anos e estou sóbrio desde então. Tenho uma gratidão
eterna pelo AA. Perdi muito tempo bebendo minha vida.
2 comentários:
Olá,
Li seu comentário em outro blog sobre o lixo que a internet está se tornando, com a falta de respeito com os autores, onde qualquer um copia e enxerta textos sem a preocupação de citar a autoria correta. Gostei muito da sua lucidez ao abordar o assunto, por isso vim conhecer seu espaço.
Gostei do blog e parabenizo-a pela postagem de hoje.
Sensibilidade na escolha do tema, divulgação de um assunto tão sério e que está se alastrando em nossa juventude.
Abs.
Luciano Moura
Regina querida, vim matar as saudades.
Adorei este post. Que bom alguém do status de vida dele escreveu este livro para ajudar pessoas que assim como ele viveu, vivem este grande mal.
Um grande beijo
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