Para: Pero Vaz de Caminha
Interessante a carta que o Mastercard publicou no dia
22 de abril de 2012, no Jornal Estado de São Paulo, endereçada a Pero Vaz de
Caminha.
Como brasileira também me sinto honrada em viver num
país tropical e bonito por natureza - como bem cantou nosso Jorge Ben Jor.
Porém gostaria de dar, também, minha contribuição para que nosso querido Pero
se atualize com as mazelas enfrentadas pelo alegre povo brasileiro.
Querido Pero Vaz
de Caminha,
Você não vai
acreditar, mas a sua carta acabou virando uma espécie de certidão de nascimento
do Brasil.
Ah! Talvez você
não saiba ainda, mas a Terra de Vera Cruz virou Brasil. E pegou, viu.
Hoje temos uma Presidenta, não é chique? Mulher de
fibra, sem deixar seu instinto maternal de lado, está sempre corrigindo os
malfeitos de nossos políticos. Como boa mãe, geralmente os perdoa.
Você foi o
primeiro a elogiar essa terra, apesar de ter conhecido só um pedacinho dela.
Mas você vendeu bem o terreno.
Sua Alteza se
interessou e logo o mundo todo estava querendo dar uma passadinha por aqui.
Nossos terrenos hoje estão muito valorizados. Temos
excelentes construtoras que com um empurrãozinho dos nossos políticos fazem
obras pelo país inteiro. Alguns valores são superfaturados, mas brasileiro é
tão bonzinho que nem se arreta com essas insignificâncias.
Rapaz, você não
imagina o que tinha atrás dos morros e montanhas que você descreveu. Um mundão.
Alguns morros e montanhas não existem mais, a
especulação imobiliária destruiu grande parte da natureza. Nossos políticos não
cuidaram bem de nossas terras, de forma que alguns temporais mais fortes
destruíram cidades e desalojaram seus habitantes. Em Teresópolis, cidade
fortemente atingida pelas chuvas, a prefeitura fez uma licitação para contratar
serviço de buffet com previsão de gastos de 1 milhão. Não são fofos? Vão servir
salgadinhos para os desabrigados. E veja bem: somos um país abençoado, não temos
terremotos, tsunamis, nevadas - temos é um povo pacífico demais!
A galera aqui é
show. Vários sotaques, jeitos,cores, culturas.
Mas com uma coisa
em comum: o brasileiro é gente fina por natureza. Gosta de receber amigos, é
festeiro, animado, enfim, feliz da vida.
Esse jeitinho do brasileiro, sempre festeiro, não
contribui para a mudança da nossa política. Participam de shows, adoram carnaval,
passeatas festivas, mas na hora de cobrar postura dos nossos representantes, é
um povo acomodado.
Também o cenário
ajuda, não é?
Como você bem
observou, a natureza é incrível.
Principalmente no Rio de Janeiro, temos uma beleza
ímpar. Mas você ficaria tão decepcionado com o estado de nossas praias, nossas
calçadas, nossas praças abandonadas, a confusão no trânsito, o desrespeito com
o cidadão comum.
Nossos deputados pretendendo desapropriar o antigo
prédio da Bolsa de Valores, para ali construírem sua nova sede. Nosso dinheiro
descendo ladeira abaixo. E por falar em ladeira, nosso famoso Bondinho de Santa
Teresa, por falta de peças e manutenção causou vários acidentes - o último com
a morte de seu condutor. Ah! O Secretário de Transportes? Vai bem, obrigado.
Tem enredo para
você escrever mil cartas.
Você escreveria um livro imenso, quiçá um compêndio.
Você precisava
estar aqui para conhecer a Amazônia, o Pantanal, todas as praias, as festas
típicas, comer um bom churrasco e tomar cerveja com os amigos depois do
futebol.
A Amazônia, que alguém chamou erroneamente de pulmão
do mundo, já não é tão verde, sofre conflitos agrários, alguns dizem que está
sendo vendida em partes.
O Pantanal tem sofrido tantas agressões dos humanos
que acarretam vários prejuízos a flora e a fauna.
Quanto às festas e comidas típicas, não abuse da
cerveja. Agora temos a Lei Seca, que embora tenha seu valor, é levada ao pé da
letra - ou se preferir da multa.
Aliás, hoje o que temos é uma grande indústria de
arrecadação: Guardas não orientam o trânsito, mas tem como principal função
multar. E se você for feliz, pode encontrar aquele que, com um agradinho, troca
a multa pela cervejinha.
Aliás, bata no
peito e grite, meu amigo.
Você é
pentacampeão mundial de futebol.
Embora pentacampeões, nossos jogadores, hoje, estão
mais preocupados com o corte do cabelo, as baladas, os carrões possantes, os
salários milionários, do que propriamente com o futebol.
Preparação física, treino e aquele futebol de outrora
ficaram no passado do Maracanã.
A verdade é que a
gente já passou por altos e baixos por aqui, sempre com uma perspectiva boa
para o futuro.
Que nunca
chegava.
Na realidade, continuamos com muitos baixos: salários,
índices de Desenvolvimento da Educação, qualidade de atendimento nos hospitais,
investimento nos transportes coletivos, tudo isso bem baixo.
Está a caminho o futuro.
Aguardamos melhoras nos transportes de massa, trens
que funcionem adequadamente; barcas que façam o percurso Rio-Niterói sem
aqueles probleminhas diários, que tenham em quantidade suficiente coletes
salva-vidas, que saiam nos horários estabelecidos; Metrô funcionando sem
atrasos, ar condicionado em perfeito estado, menos lotação e mais respeito com
o povo! Esperamos também que as benesses concedidas para os empresários de
ônibus sejam estendidas para a população que faz uso desse meio de transporte.
Aguardamos reformas nos hospitais, melhores condições
de trabalho para médicos e paramédicos; equipamentos em perfeito funcionamento;
macas para atender a demanda e não precisarmos mais assistir a pacientes
estirados em bancos nos corredores dos hospitais.
Menos propinas nas licitações para medicamentos e
materiais hospitalares, pois quem rouba da saúde está matando seu semelhante.
Mas chegou. O Brasil
está bombando. Dá para sentir isso nas ruas.
Nas pessoas. Na
atmosfera.
O Brasil está bombando é na corrupção, nos desvios de
verbas, em propinas que jorram como cachoeiras (não tão belas como as que você
conheceu quando por aqui esteve). Nas ruas, sentimos o cheiro do esgoto que
vaza, da poluição no ar, das pessoas abandonadas pelo poder público, das
maracutaias engendradas nos palácios, dos passeios de políticos nos jatinhos
dos amigos.
Fico imaginando
como seria o seu e-mail para Sua Alteza hoje. Vou arriscar, ta? Não fique
bravo.
Vossa Alteza, não
volto mais.
Viver num país
feliz por natureza: não tem preço.
Ai parceiro, não volto mais. Isso aqui é muito bom.
Venha para cá também.
Nossa grande produção é de CPIs (que geralmente acabam
em pizzas, iguaria muito apreciada por nossos políticos, alguns considerados
imortais).
Somos um país feliz e lindo por natureza, mas pagamos
um preço muito alto por não termos aprendido a VOTAR.
Meu Brasil não
tem preço, Mastercad, O Estado de São Paulo, Caderno 2, 22 de Abril de 2012.
Regina Coeli Carvalho
Recanto das Letras em 26/04/2012
Código do texto: T3635097
Código do texto: T3635097
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