quinta-feira, 26 de abril de 2012

Para: Pero Vaz de Caminha


Para: Pero Vaz de Caminha

Interessante a carta que o Mastercard publicou no dia 22 de abril de 2012, no Jornal Estado de São Paulo, endereçada a Pero Vaz de Caminha.
Como brasileira também me sinto honrada em viver num país tropical e bonito por natureza - como bem cantou nosso Jorge Ben Jor. Porém gostaria de dar, também, minha contribuição para que nosso querido Pero se atualize com as mazelas enfrentadas pelo alegre povo brasileiro.


Querido Pero Vaz de Caminha,

Você não vai acreditar, mas a sua carta acabou virando uma espécie de certidão de nascimento do Brasil.
Ah! Talvez você não saiba ainda, mas a Terra de Vera Cruz virou Brasil. E pegou, viu.

Hoje temos uma Presidenta, não é chique? Mulher de fibra, sem deixar seu instinto maternal de lado, está sempre corrigindo os malfeitos de nossos políticos. Como boa mãe, geralmente os perdoa.

Você foi o primeiro a elogiar essa terra, apesar de ter conhecido só um pedacinho dela. Mas você vendeu bem o terreno.
Sua Alteza se interessou e logo o mundo todo estava querendo dar uma passadinha por aqui.

Nossos terrenos hoje estão muito valorizados. Temos excelentes construtoras que com um empurrãozinho dos nossos políticos fazem obras pelo país inteiro. Alguns valores são superfaturados, mas brasileiro é tão bonzinho que nem se arreta com essas insignificâncias.

Rapaz, você não imagina o que tinha atrás dos morros e montanhas que você descreveu. Um mundão.

Alguns morros e montanhas não existem mais, a especulação imobiliária destruiu grande parte da natureza. Nossos políticos não cuidaram bem de nossas terras, de forma que alguns temporais mais fortes destruíram cidades e desalojaram seus habitantes. Em Teresópolis, cidade fortemente atingida pelas chuvas, a prefeitura fez uma licitação para contratar serviço de buffet com previsão de gastos de 1 milhão. Não são fofos? Vão servir salgadinhos para os desabrigados. E veja bem: somos um país abençoado, não temos terremotos, tsunamis, nevadas - temos é um povo pacífico demais!

A galera aqui é show. Vários sotaques, jeitos,cores, culturas.
Mas com uma coisa em comum: o brasileiro é gente fina por natureza. Gosta de receber amigos, é festeiro, animado, enfim, feliz da vida.

Esse jeitinho do brasileiro, sempre festeiro, não contribui para a mudança da nossa política. Participam de shows, adoram carnaval, passeatas festivas, mas na hora de cobrar postura dos nossos representantes, é um povo acomodado.

Também o cenário ajuda, não é?
Como você bem observou, a natureza é incrível.

Principalmente no Rio de Janeiro, temos uma beleza ímpar. Mas você ficaria tão decepcionado com o estado de nossas praias, nossas calçadas, nossas praças abandonadas, a confusão no trânsito, o desrespeito com o cidadão comum.
Nossos deputados pretendendo desapropriar o antigo prédio da Bolsa de Valores, para ali construírem sua nova sede. Nosso dinheiro descendo ladeira abaixo. E por falar em ladeira, nosso famoso Bondinho de Santa Teresa, por falta de peças e manutenção causou vários acidentes - o último com a morte de seu condutor. Ah! O Secretário de Transportes? Vai bem, obrigado.

Tem enredo para você escrever mil cartas.

Você escreveria um livro imenso, quiçá um compêndio.

Você precisava estar aqui para conhecer a Amazônia, o Pantanal, todas as praias, as festas típicas, comer um bom churrasco e tomar cerveja com os amigos depois do futebol.

A Amazônia, que alguém chamou erroneamente de pulmão do mundo, já não é tão verde, sofre conflitos agrários, alguns dizem que está sendo vendida em partes.
O Pantanal tem sofrido tantas agressões dos humanos que acarretam vários prejuízos a flora e a fauna.
Quanto às festas e comidas típicas, não abuse da cerveja. Agora temos a Lei Seca, que embora tenha seu valor, é levada ao pé da letra - ou se preferir da multa.
Aliás, hoje o que temos é uma grande indústria de arrecadação: Guardas não orientam o trânsito, mas tem como principal função multar. E se você for feliz, pode encontrar aquele que, com um agradinho, troca a multa pela cervejinha.

Aliás, bata no peito e grite, meu amigo.
Você é pentacampeão mundial de futebol.

Embora pentacampeões, nossos jogadores, hoje, estão mais preocupados com o corte do cabelo, as baladas, os carrões possantes, os salários milionários, do que propriamente com o futebol.
Preparação física, treino e aquele futebol de outrora ficaram no passado do Maracanã.


A verdade é que a gente já passou por altos e baixos por aqui, sempre com uma perspectiva boa para o futuro.
Que nunca chegava.

Na realidade, continuamos com muitos baixos: salários, índices de Desenvolvimento da Educação, qualidade de atendimento nos hospitais, investimento nos transportes coletivos, tudo isso bem baixo.
Está a caminho o futuro.
Aguardamos melhoras nos transportes de massa, trens que funcionem adequadamente; barcas que façam o percurso Rio-Niterói sem aqueles probleminhas diários, que tenham em quantidade suficiente coletes salva-vidas, que saiam nos horários estabelecidos; Metrô funcionando sem atrasos, ar condicionado em perfeito estado, menos lotação e mais respeito com o povo! Esperamos também que as benesses concedidas para os empresários de ônibus sejam estendidas para a população que faz uso desse meio de transporte.
Aguardamos reformas nos hospitais, melhores condições de trabalho para médicos e paramédicos; equipamentos em perfeito funcionamento; macas para atender a demanda e não precisarmos mais assistir a pacientes estirados em bancos nos corredores dos hospitais.
Menos propinas nas licitações para medicamentos e materiais hospitalares, pois quem rouba da saúde está matando seu semelhante.

Mas chegou. O Brasil está bombando. Dá para sentir isso nas ruas.
Nas pessoas. Na atmosfera.

O Brasil está bombando é na corrupção, nos desvios de verbas, em propinas que jorram como cachoeiras (não tão belas como as que você conheceu quando por aqui esteve). Nas ruas, sentimos o cheiro do esgoto que vaza, da poluição no ar, das pessoas abandonadas pelo poder público, das maracutaias engendradas nos palácios, dos passeios de políticos nos jatinhos dos amigos.

Fico imaginando como seria o seu e-mail para Sua Alteza hoje. Vou arriscar, ta? Não fique bravo.
Vossa Alteza, não volto mais.
Viver num país feliz por natureza: não tem preço.

Ai parceiro, não volto mais. Isso aqui é muito bom.
Venha para cá também.
Nossa grande produção é de CPIs (que geralmente acabam em pizzas, iguaria muito apreciada por nossos políticos, alguns considerados imortais).
Somos um país feliz e lindo por natureza, mas pagamos um preço muito alto por não termos aprendido a VOTAR.

Meu Brasil não tem preço, Mastercad, O Estado de São Paulo, Caderno 2, 22 de Abril de 2012.

Regina Coeli Carvalho
Recanto das Letras em 26/04/2012
Código do texto: T3635097

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