Madrugada do dia 17 de setembro de 2008. Faz bastante frio em Passo Fundo, cidade do Rio Grande do Sul.
Um casal estaciona um carro, na porta de um bar, e entra. Esquecer o cotidiano bem acompanhado, um vinho a dois... nada melhor para manter a relação aquecida. Se tivessem que tomar conta, apenas, deles mesmos no mundo, seria fácil esquecer tudo àquela hora.
Enquanto isso, o Dimas procura um carro pra roubar. Este é o seu "trabalho": vive roubando carros largados por casais apaixonados nas calçadas da cidade. Fácil. Naquela noite fria, pouca gente circulando, basta escolher o carro ideal e ir embora. Nem precisa fazer "teste drive", perguntar nada ao vendedor, pensar se tem dinheiro suficiente pra adquirir o veículo. Basta entrar e ir embora, feliz. Com tantos ladrões espalhados por este Brasil, o Dimas seria mais um a manter a vida à custa do trabalho dos outros.
Mas... no meio da história havia uma criança. E foi o que Dimas percebeu quando olhou pro banco de trás do carro, algum tempo depois do roubo.
Antes que alguém lembre daquela criança que foi arrastada pelas ruas do subúrbio do Rio, presa pelo cinto de segurança, eu conto o que fez o nosso ladrão.
Parou imediatamente. Procurou um telefone público e ligou pra Brigada Militar.
- Seguinte, ó: eu vou ser bem sincero contigo, tá? Eu roubei um carro ali, tá? Agora. E eu peguei o carro e tinha uma criança dentro, cara! E eu não vi, entendeu?, não vi..."
Então o que que eu fiz? Eu peguei o carro e botei o carro atrás da ENAVE, tá? Então tu manda uma viatura lá e manda o "filho da..." do pai dele pegar ele e levar pra casa. Um piazinho, tá?
E continua:
- É um monza. Tem um piazinho dormindo no banco de trás, tá? E diz pro "filho da..." do pai dele pra não ir..., pois da próxima vez que eu pegar aquele auto e tiver o piá lá, eu vou matar ele..."
O Dimas tem filho? Ninguém sabe. Sumiu na noite, anônimo, revoltado, frustrado, a pé... querendo matar o "filho da..." do pai de uma criança de cinco anos que é deixada num carro, na rua, numa madrugada fria. O piazinho, filho do ladrão, se existir, não seria abandonado assim, à mercê da proteção de ladrões de carros. Estaria em casa, bem agasalhado por um bom pai.
Notas:
1. O ladrão não falou o nome, por questões óbvias. Não vai deixar a "profissão". Parte do coração dele é de um pai exemplar. Parte ainda vai continuar roubando. Utilizei o apelido Dimas, que era o nome do bom ladrão, aquele que foi crucificado ao lado de Cristo.
2. "Piá" é como o povo do sul do Brasil se refere à criança e adolescente.
2. Ouvi a notícia no Jornal das Dez, do canal Globo News. Se alguém quiser ouvir o telefonema do ladrão, aí vai o endereço:
http://mediacenter.clicrbs.com.br/templates/player.aspx?uf=1&contentID=34332&channel=49
Aldo Cordeiro, meu amigo cronista.
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