Foto: Anna Clara Carvalho
Transcrevo abaixo as palavras do Diretor do CPRJ e da Coordenadora da Oficina da Palavra na apresentação do livro de poesias escrito em conjunto no processo de criação com grupo de pacientes em experiências com as palavras.
Fazendo junto
(...)Hoje iremos nos reunir em torno da Poesia (Ser poeta é se viver) e do Vídeo (Documentário) ao mesmo tempo que apresentamos nossos primeiros passos no Teatro.
É o momento da palavra – escrita e falada, da afirmação de um projeto que se fundamenta em essência pelo “fazer junto”.
Compartilhar experiências, dores, alegrias, trabalho e criação promove afetos e alianças, aproximando, a princípio, os que tem afinidades. A convivência traz descobertas: pessoas com objetivos e estilos de vida diversos percebem a riqueza da interação com o Outro diferente dele.
Conviver, compartilhar, construir, criar: inevitável seqüência. A convivência abre portas e desvenda caminhos nunca sonhados. Trilha-los “junto” e “com” é o compartilhar, trazendo novas soluções e encaminhamentos.
"Se os seus sonhos estiverem nas nuvens,
não se preocupe,
pois eles estão no lugar certo.
Agora construa os alicerces."
Shakespeare
Alexandre Lins Keusen
Diretor do Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro
O sentido das palavras
Na arte existe a possibilidade de simbolização e o artista passa de criatura a criador. Na verdade, todos somos autores de nossas histórias, só não temos é completa consciência disso. O escritor é o artista que dá o testemunho de que os dramas e romances todos reais ou imaginários, têm o mesmo valor de verdade, pois são nossas construções. Tudo é uma ficção: o sonho ou a realidade são, na verdade, versões múltiplas de um mesmo fato.
(...)
No processo de criação de um poeta está presente tanto a associação de idéias quanto a associação de imagens, há possibilidade de se reinventar vocábulos. Pode-se aproveitar as palavras ao máximo buscando fazer, inclusive, com que digam mais do que efetivamente podem, como no uso das metáforas.
É esse o valor da palavra, que busca expressar a experiência que os seres humanos têm da vida, da sua época, de si próprios, e o que daí advém: seus afetos e suas idéias, ligados pela imaginação e pelo senso estético.
Na Oficina de Poesia do CPRJ dissemos palavras ao acaso. Ouvimos seus sons, fizemos rimas, trabalhamos o ritmo. Sintonizados em uma mesma freqüência, juntos descobrimos que a poesia que havia em cada um de nós, e no grupo, podia ser expressa em versos. E escrevemos poemas em grupo.
Sonia Lanzillotte
Coordenadora da Oficina da Palavra
Alguns poemas:
O carinho é azul
O amor matutino transforma
amor matinal em maternal
Felicidade transparente
mexe com a gente
O azul do carinho transforma
amizade em paz
O amor lunático traz a coragem
porque o lunático pensa essas coisas
A dança do otimismo suprime a carência
a corrente influência restaura a felicidade
amiga sempre da grandeza
(produção coletiva)
Amor e Carinho dos pássaros
Eu tenho amor e carinho
pelo meu pássaro
a virtude boa
em nosso coração
ninho, carinho, felicidade
moinho de eternidade
paixão
ele não voa
em vão.
(produção coletiva)
Poema 6
(Haicai)
Ei, o meu sapato!
Ó, que pisante...
Como é duro ser andante.
(Antonio Carlos Dias)
Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro
Praça Cel Assunção, s/n
Gamboa – Rio de Janeiro
Tel.: (21) 2516-5504
3 comentários:
Rê
Que trabalho bonito.
Já havia me encantado com o Harmonia Enlouquece, as oficinas são do mesmo hospital, não?
Bom dia.
abs.
Sim, do mesmo hospital, com os mesmos usuários.
A Oficina da Palavra e a de Música (de onde saiu a banda Harmonia Enlouquece) foram implementadas em 2000, fazendo parte do projeto Oficinas, criado pelo Alexandre - Dr. Alexandre Keusen, então diretor do hospital - e coordenadas por mim e pelo musicoteraupeuta e psicólogo do prório CPRJ, Sidnei Dantas. Eu era voluntária. Um trabalho maravilhoso, sim.
Não conhecia este blog e hoje é que, por acaso, vim parar aqui. Já deixei um comentário no post de hoje e fico feliz também com seu comentário.
Ainda acredito no que escrevi na apresentação do livro: é uma verdade que a poesia que existe em cada um de nós pode ser expressa em versos. E é uma verdade que, sintonizados em uma mesma freqüência, podemos escrever poemas em conjunto.
Um beijo
da Sonia
Passei nove anos num asilo de alienados.
Fizeram-me ali uma medicina que nunca deixou de me revoltar.
Essa medicina chama-se eletrochoque
, consiste em meter o paciente num banho de eletricidade
fulminá-lo
e pô-lo bem esfolado a nu
e expor-lhe o corpo tanto externo como interno
à passagem de uma corrente
que vem do lugar onde não se está
nem deveria estar
para lá estar.
O eletrochoque é uma corrente que eles arranjam sei lá como,
que deixa o corpo,
o corpo sonâmbulo interno,
estacionário
para ficar sob a alçada da lei
arbitrária do ser,
em estado de morte
por paragem do coração.
Anthonin Artaud
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