domingo, 12 de julho de 2009

As minhas rugas


Elas vieram de mansinho,

na surdina,

quando percebi

já estavam instaladas

no cantinho dos olhos,

na testa, à volta da boca.

Todo dia pela manhã

davam-me bom-dia

através do espelho,

todas as noites despediam-se;

eu reagi, não respondia às saudações,

ignorava as minhas rugas,

não queria vê-las;

pensei até muito seriamente

em assassiná-las

com bisturi.

Mas de mansinho, na surdina,

fui também me acostumando a elas

que contavam estórias de mim,

contavam que me gasto,

vibrando, rindo, chorando

que existo, que vivo enfim.

São o livro que escrevo

em minha própria face.

Com elas vou desenhando

minha vida em meu rosto,

há linhas de lágrimas,

linhas de alegria,

linhas de espanto e de pensares,

linhas de dispersão e de chamares;

de tensão, de entusiasmo,

de cansaço, de ansiedade.

Linhas de bom e mau-humor,

linhas bem traçadas de vitórias,

de felicidade, de harmonia;

linhas fortes de sofrimento, de dor.

Assim vão me contando de mim

as minhas rugas, e de mansinho, na surdina,

hoje aceito-as, consulto-as, admiro-as

e chego a amá-las quando são de amor!

Rosamaria Castello Branco, In Vinte poetas à procura de um leitor

Um comentário:

Rodrigo Andreiuk disse...

a seleção que vc faz das poesias é ótima...