Elas vieram de mansinho,
na surdina,
quando percebi
já estavam instaladas
no cantinho dos olhos,
na testa, à volta da boca.
Todo dia pela manhã
davam-me bom-dia
através do espelho,
todas as noites despediam-se;
eu reagi, não respondia às saudações,
ignorava as minhas rugas,
não queria vê-las;
pensei até muito seriamente
em assassiná-las
com bisturi.
Mas de mansinho, na surdina,
fui também me acostumando a elas
que contavam estórias de mim,
contavam que me gasto,
vibrando, rindo, chorando
que existo, que vivo enfim.
São o livro que escrevo
em minha própria face.
Com elas vou desenhando
minha vida em meu rosto,
há linhas de lágrimas,
linhas de alegria,
linhas de espanto e de pensares,
linhas de dispersão e de chamares;
de tensão, de entusiasmo,
de cansaço, de ansiedade.
Linhas de bom e mau-humor,
linhas bem traçadas de vitórias,
de felicidade, de harmonia;
linhas fortes de sofrimento, de dor.
Assim vão me contando de mim
as minhas rugas, e de mansinho, na surdina,
hoje aceito-as, consulto-as, admiro-as
e chego a amá-las quando são de amor!
Rosamaria Castello Branco, In Vinte poetas à procura de um leitor
Um comentário:
a seleção que vc faz das poesias é ótima...
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