Imagem: daqui
Recebi de volta um livro que estava emprestado há anos: Cadernos de João.
Estou relendo-o e redescobrindo-o.
Homem em preparativos
Ando sempre em preparativos.
Acumulo material, encomendo peças. Junto o necessário. Tomo todas as providências. E trato também da ornamentação.
Com isso, vou-me distraindo. Troco coisas e idéias. Alguns me ajudam,
servem-se também de mim. E todos assim nos distraímos nesses preparativos.
Mas com que seriedade! Com que paixão!
Nos momentos de intervalo, construímos cidade, casamos, discutimos,
entramos na guerra.
Preparamo-nos todos para qualquer coisa que ainda não aconteceu. Há
dezenas de anos tem sido assim, Há milhares de anos...
adoro os detalhes que aliviam o peso do conjunto. O que me atrapalha, porém, não é tanto o tempo perdido na escolha do material – isso até me preenche as horas – o que me atrapalha é a rapidez com que as coisas se deterioram.
Às vezes recebo intimações para acabar depressa. Mas desconfio e faço cera. Acabar depressa, o quê?
Saio então a ver se encontro qualquer coisa que seja bem difícil de achar – acontecimento ou mulher.
Meu medo é a interrupção dessa busca por colapso de entusiasmo ou pela aparição fácil do objeto.
Procuro sempre...Procuro sem remitência. Invento novas dificuldades.
Adoro os obstáculos...
Vivo assim amontoando, renovando, corrigindo, experimentando, caindo e me aprumando.
Assim não chegará jamais o dia da minha inauguração. Pois o meu pavor é a viagem concluída, a coisa acabada...
O meu pavor é a estátua de pedra, o feixe de ossos gelando na chuva ou debaixo da terra.
....enquanto vocês aí fora continuam procurando, procurando...
Não. Nunca serei inaugurado.
Aníbal Machado, In Cadernos de João
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