quarta-feira, 4 de julho de 2012

O desafio de ser professor


O DESAFIO DE SER PROFESSOR
- O Caos na Educação e no Ensino -  
Nilson Calasans *
Raul Robson Sippel **

Houve um tempo em que a pessoa centrada, ponderada, atenciosa, paciente, disposta a dar-se incondicionalmente a outrem e a uma causa nobre e justa, a fim de estudar e aprender ao longo da vida, buscava ser professor ou professora.
Nesse tempo, ser professor era algo de uma ordem totêmica, tamanha importância. O professor tinha o estatuto de um pai, de um padrinho, de um tio querido, de alguém a quem se devia respeito. Mais do que isso, presteza e solicitude. Consideração. Carinho até. Nessa época, os pais educavam, iniciavam seus filhos na trilha da cidadania, preparando-os para o ingresso em uma comunidade escolar, onde se desenvolveriam sob diversos aspectos. Havia um Maternal, um Jardim da Infância, que davam suporte à família no sentido de ajudá-la a constituir seu rebento, preparando-o para o ingresso no universo do aprendizado disciplinar e de conteúdos específicos. A dedicação e o empenho eram compromissos inerentes e tácitos dos alunos. O desenvolvimento e o progresso eram comemorados com gáudio e júbilo. Um bom aluno tornava-se referência no meio e na região e uma nota vermelha podia gerar grande constrangimento; um risco de reprovação era vergonhoso indício de anormalidade, a ser investigada.
Nesse Brasil, poucos ascendiam aos cursos superiores, pouquíssimos tinham acesso ao aprendizado de idiomas, os cursos de graduação eram raros, difíceis; uma pós-graduação, por vezes, requeria anos de preparação; não raramente, necessidade de cursá-la no exterior. Professores universitários eram semideuses e, até hoje, há uma enorme mística em torno da figura do catedrático, do responsável pela cátedra; tudo isso muito antes das “cadeiras” terem sido substituídas por disciplinas.
Obviamente, não se deseja um retrocesso no tempo. O mundo mudou, o país mudou, tudo se transforma. A vida tornou-se muito difícil para todos. Hoje, milhões são pais levianamente, pela liberação dos costumes; a escola não tem como fazer maternagem e, para não ficarem nas ruas, as crianças são levadas à escola. Não há necessariamente desejo ou intenção ou compromisso de se aprender. E nessa escola, os professores precisam fazer a tal maternagem, fundar cidadãos, educar, ensinar, corrigir provas e trabalhos às centenas, fazer diários, preencher cadernetas, fazer cursos de aprimoramento presenciais e on line; tudo isso em troca de salários aviltantes, escorchantes, indignos, trabalhando sobre pressão, expostos a toda sorte de constrangimento, na medida em que não se pode reprovar, não se pode expulsar, não se pode revidar ofensas, apesar de agressões e até ameaças eventuais de morte. Isso existe e não há nessas palavras qualquer exagero. Institucionalizou-se a farsa, a fraude, a barbárie, o desgoverno e a impostura. O estado finge que paga; o professor finge que ensina, já que não há como sequer fazer valer sua autoridade em sala de aula, onde mal é ouvido; a direção tenta manter equilibrado todos esses vetores corrompidos e falidos, o que torna o ofício de lecionar um desafio inaquilatável, se não uma grande perda de tempo, de energia e de dinheiro público.
Não estamos conseguindo trabalhar. Não estamos conseguindo realizar um trabalho minimamente satisfatório e, mais cedo ou mais tarde, acabarão por chegar à conclusão que estamos a necessitar de assistência psicológica nas escolas, para alunos e professores; não obstante ser fundamental a presença, igualmente, se não policial, ao menos de segurança, que garanta a integridade física dos que padecem nesse turbilhão surreal, nesse inferno de Dante, penalizados, afinal, por terem descoberto e resolvido fazer valer suas vocações para o magistério. Padecem, principalmente, aqueles que ora estão a completar por volta de duas décadas de profissão, pois são estes que vivenciaram, em cheio, a transição; do paraíso – ou quase –, ao inferno!
É verdade que, em se fazendo vista grossa, toca-se o barco e empurra-se com a barriga. Porém, esse jamais será o caminho da vocação e da dignidade. Algo precisa ser pensado e feito, se desejam que existam professores responsáveis no futuro. Mesmo sabendo-se que, embora hoje, existam cursos de graduação em garagens, galpões, depósitos e buracos de metrô; pós-graduação por correspondência e uma nau de incompetentes vaidosos e inconsequentes dispostos a subempregos para ocupar esse honroso lugar de professor, não serão cafajestes e marginais, formados e pós-graduados em espeluncas, que ocuparão lugar de maior destaque e importância na sociedade; por mais insana e absurda que esta tenha se tornado.
*Escritor e cirurgião-dentista.
**Professor de Inglês e Mestre em Letras (UERJ)
Jornal O Impacto, Guararapes, 02 de Junho de 2012.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rê,
Obrigada por compartilhar artigo tão brilhante.
Deveria ser lido em todas as salas de aula de formação de professores.
O que estão fazendo com a educação?
O que estão fazendo com a classe de professores?
O objetivo dos nossos governantes sendo atingido: formar pessoas que não pensam, "globalizadas", fáceis de serem manipuladas.
Saudade do tempo que ser professor era um diferencial na vida daquele que cumpria sua vocação com amor.
Marcia Meira