sábado, 31 de outubro de 2009

Ao Escrever...


Ao escrever a fome

com as palmas das mãos vazias

quando o buraco-estômago

expele famélicos desejos

há neste demente movimento

o sonho-esperança

de alguma migalha alimento.


Ao escrever o frio

com a ponta de meus ossos

e tendo no corpo o tremor

da dor e do desabrigo,

há neste tenso movimento

o calor-esperança

de alguma mísera veste.


Ao escrever a dor,

sozinha,

buscando a ressonância

do outro em mim

há neste constante movimento

a ilusão-esperança

da dupla sonância nossa.


Ao escrever a vida

no tubo de ensaio da partida

esmaecida nadando,

há neste inútil movimento

a enganosa-esperança

de laçar o tempo

e afagar o eterno.


Conceição Evaristo

Um comentário:

Unknown disse...

Você, como sempre, descobrindo pérolas!
Vou já pesquisar sobre a autora.
abs.