quarta-feira, 24 de junho de 2009

Diploma, pra que diploma?

E então podemos resolver tudo num bar?

O STF, que havia extinguido a Lei de Imprensa há alguns meses atrás, agora decidiu que o diploma não é mais obrigatório para o exercício do Jornalismo. Quanto poder! E quanta perspicácia! Preciso registrar as caras e os nomes dos ministros atuais deste tribunal. Pelo menos na minha história de vida, quero que eles não sejam jamais esquecidos como a elite intelectual que comanda o judiciário brasileiro! Que seus nomes permaneçam sempre reluzentes para a consciência, sobretudo, de seus descendentes e próximos, os sobreviventes – é claro – porque eles também foram favoráveis ao aborto há algum outro pouco tempo atrás.

Ministros do STF: Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Eros Grau, Cármen Lúcia e Antônio Fernando de Sousa (Procurador-Geral da República), Ellen Gracie, Celso de Mello, Gilmar Mendes (Presidente), Marco Aurélio e Cézar Peluso(Vice-Presidente).

A respeito da repercussão desta decisão, eu ouvi, entre os comentários apresentados no Jornal Nacional, o de um jornalista – não peguei o nome – que dizia ser a favor da decisão, e inclusive sugeria que também o diploma de advogado fosse extinto, porque, ao contrário de outros países, o cidadão comum no Brasil jamais pode ser representado por si próprio, diante de qualquer tribunal, sem a mediação de um advogado, o que significa grande atraso. Mas tenho impressão de que este é o tipo da contra-argumentação que deseja fazer aqueles caras engolirem suas palavras e sua decisão, que não deixa de ser, nesse momento, o desejo de cada um de nós, cidadãos que se sentem indignados com essa improbidade de juízo na mais alta roda de poder desse país.

De fato, ainda me causa certa surpresa perceber que a intelectualidade, a capacidade de intelecção humana, possa produzir, nesta altura dos acontecimentos e de indiscutível evolução da organização social, um mundo como o dos foras da lei, em pleno século XXI, e que a sociedade, esta mesma que, com boa freqüência, nos enche de orgulho pela primazia de algumas pesquisas científicas de ponta, de representações belíssimas nos campos das artes e dos esportes, possa se deixar submeter por uma dúzia de senhores de falar empolado. Que sensação de futuro sombria estão nos legando estes magistrados! Rói-me uma vergonha verde-amarela, um verdadeiro torpor nacional!!

Sobre a decisão do STF, a grande mídia apenas noticia o fato, fazendo-nos crer que na verdade nem existe tanta polêmica, e que a sociedade pode conviver com este tipo de decisão sem qualquer manifestação contrária de peso, a contar o caráter irrecorrível da decisão. De fato, até agora não sei a respeito da posição das universidades. Será que não haverá manifestos, movimentos de nenhum tipo?

Ontem visitei o site da FENAJ (www.fenaj.org.br ) e estava lá exposta a fotografia do protesto realizado em frente à sede do tribunal com pessoas erguendo faixas. Mas o movimento tem que ser muito forte, porque aquela meia duziazinha de caras é poderosa mesmo. Isso que eles resolveram não é apenas uma opinião! É aí que a gente verifica o poder da fala. A decisão não admite recurso! Eles disseram e está feito!

É preciso urgentemente entender as razões que levam a uma decisão como essa! É claro que as grandes empresas jornalísticas, as grandes redes, estão se lixando para o caso. Até o grande herdeiro da Globo se posicionou agradecido pela decisão do STF, que somente torna regularizada uma prática que sempre existiu e sempre existirá dentro das empresas! E para confortar algum possível incômodo nas universidades, até notificou que a Rede continuará investindo nas buscas pela complementação de seus quadros lá nos lugares próprios de formação. E eu fico me perguntando: e onde mais ele pretenderá achar as novas pratas, quando os especialistas em generalidades abandonarem tão absurdo idealismo?!...

É preciso reconhecer então que a tal prática prevalecente consiste em incluir, em seus quadros, pessoal de “inegável competência”, embora sem o mérito do diploma universitário! Antes da regulamentação da profissão afinal, as empresas jornalísticas já davam mostras de sua potencialidade com grandes nomes que terminamos por herdar. Eu mesma tenho a grande honra e um orgulho de bater no peito mesmo por meu pai, Nathanael Alves, ser um desses grandes nomes. Aliás, que estes nomes e outros, que continuam surgindo, possam ser fecundados e cultivados nas empresas. Mas então que, pelo seu mérito, a eles sejam dados merecidamente título e cargo honorários, por serem mesmo dignos de honras, recompensas e aplausos. É muito diferente querer retirar de quem deseja aprender a ser ou de quem se esforça por chegar a ser, para justificar a tal prática recorrente, a condição regulamentar do Jornalismo através da formação que requer, de qualquer modo, um diploma no mínimo válido ao final das contas.

O que deve pensar um/a jovem que está se preparando para o vestibular de Jornalismo a partir de agora? Em geral, ele/ela já sente essa tendência à profissão por algumas características próprias. Então, resolverá fazer um outro curso e cultivar apenas a aptidão de estar atento/a aos fatos, de gostar de escrever, e de correr atrás para não perder furos incontestes, não importa a profissão que escolha?

Para ser jornalista, na visão do STF, basta a aptidão para se expressar bem a respeito de alguma especialidade. Se é apenas isso, então de fato é uma cara perda de tempo levar 4 anos na expectativa de um diploma. E a prova a que deve se submeter o candidato a jornalista, pelo visto, é apenas um teste de aptidão. Para o STF, Jornalismo não passa de uma aptidão. Qualquer pessoa que saiba se expressar bem, encontrará a rivalidade num tipo qualquer que insiste por conquistar seu mérito na luta infeliz por um diploma inútil. Não há disputa, afinal ele é um mero especialista em generalidades.

Já pensou julgar assim também a Medicina, por exemplo? O exercício da Medicina é apenas uma aptidão? Vamos integrar nos quadros dos hospitais brasileiros toda espécie de curandeiro com bastante experiência prática. Será bastante que ele se mostre apto a algumas curas, testemunhadas é claro, e então o diploma de médico não precisa também de obrigatoriedade. Qualquer pessoa pode ser médica, porque o que está em jogo é a vida e não as vaidades! Porque, na luta pela vida, perder qualquer genialidade que se apresente é jogar fora resultados inusitados.

É importante mencionar mesmo a Medicina, que tem um reconhecimento seguro e um lugar absoluto e inquestionável na sociedade atual. Podemos pensar como foi possível integrar um tal arcabouço de conhecimentos e práticas que tiram de tempo qualquer mérito desprovido das provas, de alguém que apresente um excelente movimento de pinça – para lembrar a metáfora da “Ilha das Flores” –, intuitivo bastante sobre a administração de remédios e gerenciamento da saúde. Não há como, não há chance! Se a OMS não reconhecesse a sabedoria milenar dos chineses, nem eles, apesar de seus brilhantes resultados, poderiam se dar ao luxo de exercerem a profissão! Quem dera toda profissão, ao ser regulamentada, pudesse ser resguardada de ataques tão menores!

É preciso que aqueles ministros do STF se toquem de que as grandes mentes não surgem apenas para a boa expressão não, mas para todo um leque de funções que fariam tremer para sempre toda e qualquer instituição que se preze, a começar pelo próprio Supremo Tribunal Federal que, ao invés do mérito de ter um diploma, deveria ser composta de homens e mulheres que, para além de uma inteligência fora do comum e da capacidade de argumentar nos melhores termos, possuíssem idoneidade incontestável pelo menos.

Procurei saber a opinião de Naíza Alves, que está concluindo o curso de Jornalismo na UFPB, e ela ressaltou a questão da formação nos tornar especialistas em generalidades, refletindo: “Para você escrever sobre Economia tem que ser economista e saber escrever. Para escrever sobre Medicina tem que ser médico e saber escrever. Para ser um repórter, que sai na rua escrevendo sobre tudo, tem que ser o quê? Tem que ter diploma em todos os cursos?”.

Até parece, não é? Mas a formação de jornalista nos coloca numa posição bem menos pretensiosa: nossa ferramenta é a especialidade de capturar informações, indo em busca das fontes estejam onde estiverem. Para isso é que a profissão foi regulamentada. Nenhum outro profissional precisa se dar ao trabalho, que é tipicamente especializado. Mas o STF, na pessoa de seus digníssimos ministros, levou em consideração os articulistas, comentaristas, e por causa deles desconsiderou e descaracterizou o Jornalismo inteiro.

Naíza, que está agora nos seus 21 anos apenas, ficou pensando sobre o argumento do maturado presidente Gilmar Mendes a respeito da analogia com a profissão do cozinheiro.. Interessante poder fazer este exame fazendo um paralelo, não com uma profissão que pode nos fazer pecar pelo preconceito, mas com outra irretocável/intocável: a Medicina, já citada, por exemplo. Pois, coincidentemente, Naíza também pensou a este respeito, e propôs: “Imagine que uma pessoa leu muito sobre Medicina, assistiu muitos seriados, frequentou muitos hospitais. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da Medicina”. Ô-ô! Mas aí ninguém admitirá facilmente.. Ela continua, experimentando as palavras do ministro: “....o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até à saúde e à vida dos pacientes.”, para concluir: “É tudo apenas uma questão de ética, então? Podemos resolver tudo num bar?”, reflete a jornalista, ainda sem diploma.

As chances de serem revisitadas as terríveis interpretações que comumente se fazem acerca do fazer jornalístico, são pequenas, mas Naíza atenta para um ponto muito importante. Ela diz:

A inclusão digital está aí! A comunicação caminha para a interatividade há muito tempo! Ninguém pode negar isso! Mas também não vamos esculhambar ao ponto de deixar qualquer um ser responsável pela veiculação de informação. Alguns jornais internacionais publicaram uma notícia sobre a morte de Patrick Num-Sei-O-Quê [aquele cara do Ghost], porque um cidadão que não tinha mais o que fazer da vida, espalhou na internet que ele tinha morrido. Isso com uma nota impecável em termos jornalísticos. O problema é que o cara tava vivinho ainda. Não sei como ele está agora, mas na época ele tava vivo. Doente, mas vivo. É isso que o presidente sugere? Que todo mundo possa fazer jornalismo da sua própria casa? LEGAAAAL! Vai ser uma beleza!

Sabe, Naíza, eu ouvi também, entre os argumentos dos magistrados, que a questão ética não se funda na formação. Acho que aqueles ministros querem dizer que isso é um caso de caráter, e se limita ao âmbito pessoal – escola nenhuma a introduz na personalidade de ninguém. O que equivale a dizer que os códigos de ética são absolutamente irrelevantes para serem elaborados e abordados! Hoje, dia seguinte à irrecorrível decisão, recebemos uma nova bula do Dr. Gilmar: "A decisão vai suscitar debate sobre a desregulamentação de outras profissões. O tribunal vai ser coerente e dirá que essas profissões podem ser exercidas sem o diploma" (Agência Estado). E prossegue a matéria:

“A regulamentação, se for o caso, será considerada inconstitucional”, afirmou o presidente do STF. Mendes esclareceu que, a partir de agora, o registro de jornalista no Ministério do Trabalho "perdeu o sentido", assim como todos os outros aspectos que regulamentavam a profissão. "O registro não tem nenhuma força jurídica". O ministro também disse "não ser viável juridicamente" a elaboração de uma nova lei pelo Congresso exigindo diploma, como sugeriu o ministro das Comunicações, Hélio Costa (Agência Estado).

Mas, até agora, é a pura indignação que se posiciona, querendo demonstrar que todas as profissões estão no mesmo pé de igualdade, o que não convém dizer que estejamos de acordo com a extravagância a que pretende chegar esse senhor ministro, desregulamentando todas elas. Na verdade, compreendemos que somos predestinados a conviver num sistema organizado, com profissões regulamentadas, neste país de doutores. Talvez, ainda presa ao paralelo com a Medicina, este seja um sintoma crônico de não enxergar a informação como um fator que tanto pode dar como tirar a vida e, portanto deve ser examinado como um caso de vida ou de morte.

Sombria me parece a decisão. Sombria me parece a repercussão. Sombrias me parecem as conseqüências, ainda não muito bem avaliadas pelas mentes verdadeiramente lúcidas deste país. Que a decisão seja irrecorrível, isso já é o fim, mas então é inegável que o Brasil precisa “desregulamentar”, urgentemente, aquela tuia de macabros pensadores que parecem muito mais propensos a bagunçar tudo o que se deseja ordenar e organizar por aqui, ao invés de nos favorecer com elucubrações que sejam no mínimo proveitosas!

Rejane Alves

jornalista diplomada, mas, por graça, sem o precioso exercício profissional.

19 de junho de 2009

2 comentários:

............... disse...

De onde terá saído a pressão para que os nobres Ministros adotassem tal decisão?

Das empresas jornalísticas? das Vejas, Caras, Contigo??

Por questão de isonomia, que considerem desnecessários tb os diplomas de engenheiros, advogados, médicos e que cessem os concursos para a Magistratura.

Acho tão interessante permitirem kurssos à destânssea, termos apenas 24% de pessoas que entendem o que lêem e virem com um desastre desses.

Meu Zeus! caminhamos para trás com as bençãos da mais alta corte do país!

AMARIS disse...

A intenção é clara, sob meu ponto de vista...é o retrocesso da educação. Fizeram de tudo para que a base da educação virasse a calamidade que é hoje. Agora estão realmente assinando a intenção cruel do objetivo óbvio, que é "institucionalizar" a ignorancia do povo.